pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Michel Zaidan Filho: Saudades do Carnaval
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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Michel Zaidan Filho: Saudades do Carnaval


 
O ex-secretário de Turismo, da Prefeitura do Recife, Alfredo Bertini, afirmou que o principal produto turístico a ser vendido aos visitantes  do mundo inteiro ,na cidade maurícea era o carnaval. Daí os patrocínios milionários e o intenso marketing feito no período da folia momesca. A preparação e a realização do carnaval recifense tornou-se uma  das ações  administrativas mais importantes no bojo dos planos de desenvolvimento econômico das últimas gestões municipais. Pode-se, então, dizer que a folia carnavalesca é ainda uma festa popular ou que conta com a participação maciça do povo recifense? Ou ela foi deslocada das passarelas para ser mera coadjuvante ou expectadora dessa grande festa? – Qual deveria ser a política cultural de uma gestão democrática e popular para o carnaval do Recife?
O primeiro ponto a considerar neste debate é a natureza mesma dos festejos carnavalescos no âmbito de uma antropologia cultural em torno do riso e do grotesco ou alegórico. Há quem afirme ser o grotesco um profundo traço cultural da mentalidade do povo brasileiro (Muniz Sodré). Mas o   grotesco pensado como crítica, inversão, escárnio em relação ao poder e aos poderosos., tal como os rituais profanos da  semana santa (a malhação do judas). Se isso é verdade, o Carnaval é, por excelência, uma manifestação popular e desordeira, irreverente, crítica. Uma imensa alegoria do desejo (reprimido) de insatisfação e revolta do existente na vida e na sociedade. Intervir direta ou indiretamente na folia momesca equivaleria a cassar o sentimento legítimo do povo em simular um julgamento severo da conduta de nossas elites, sem derramamento de sangue ou violência. O mais interessante é que a grande festa foi originalmente  vista pelas elites e o estado como coisa do populacho, da escória ou dos desclassificados sociais. Passível, inclusive, de repressão policiai. A ideia de uma festa carnavalesca patrocinada pelos poderes públicos, econômicos (ou a Igreja Universal) assumiria naturalmente outra conotação social e cultural muito distinta do espírito da carnavalização da cultura, em suas origens históricas. Que conotação é essa? 
No caso de uma sociedade como a brasileira a primeira impressão é que se trata de uma política compensatória, destinada aos simples, ao povaréu, a arraia-miúda das grandes e  pequenas cidades, sem pão, sem lar,  sem trabalho e sem expectativas na política e os políticos. O carnaval seria assim um colchão  amortecedor das imensas que  cercam a vida dos brasileiros pobres, canalizando a sua revolta para a folia, o dispêndio bioenergético durante os três dias. Ótimo instrumento de controle social, amparado numa pseudo liberalização dos costumes e práticas sexuais, até pelo menos a quarta-feira de cinzas, quando sobrevém o sentimento de culpa e castigo pelos excessos cometidos durante a farra. 
Contudo, mais rico de consequência para essa antropologia do carnaval é, sem dúvida, a sua transformação perversa numa vantagem comparativa destinada a vender, com glamour e facilidades, nossas cidades, praias, costumes, nossas mulheres e a nossa própria identidade cultural aos cidadãos-consumidores do mundo inteiro, através de vídeos, DVDs, CDs e pacotes turísticos oferecidos pelas agências de viagem. Esta mercantilização extrema do folia é grave, primeiro pela destruição da verve crítica, debochada, sarcástica que deveria caracteriza o carnaval, sobretudo no que respeita às instituições dominantes: mas também porque afasta o povo, o populacho, do palco da folia, produzindo uma espécie de apartação carnavalesca, ao fixar áreas e zonas dintintas e intransponíveis para o folguedo das diversas faixas sociais da população. Neste sentido, não haveria uma alegoria mais cruel em relação aos tempos em que vivemos do que o carnaval higienizado, estilizado, caro e segregado, promovido pelas secretarias de turismo, como aquele que se faz  em certos pólos de animação cultural da cidade do Recife e do Estado de Pernambuco.  Esse carnaval é a máscara mortuária do verdadeiro carnaval e antecipa, para a grande maioria da população, a quarta-feira de Cinzas  ou uma condenação eterna, que ela tem de carregar, para outros se divertirem o ano inteiro. 
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE       
 

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