João Filho
EM SETEMBRO DO ANO PASSADO, The Intercept Brasil publicou uma confissão de Michel Temer durante sua passagem por Nova York. O presidente não eleito revelou que os motivos que levaram ao impeachment não seriam as pedalas fiscais de Dilma, mas o fato de ela ter se recusado a adotar o plano de governo neoliberal dos tucanos, rejeitado nas urnas. Apesar da gravidade, ninguém na imprensa ficou escandalizado. Lembremos a confissão:

À época, a grande mídia brasileira fingiu que a declaração não existiu. Pior: teve uma jornalista do Estadão insinuando que The Intercept Brasil teria adulterado o vídeo acima. Para ela, Temer seria incapaz de dizer uma bobagem dessas, já que “ele é professor de Direito Constitucional”. Deve ser mesmo muito duro passar meses defendendo a legalidade do impeachment, debochando da “narrativa do golpe”, e depois ver um dos seus principais articuladores confessando, mesmo que indiretamente, que foi golpe, sim, e que as pedaladas fiscais foram um mero pretexto legal.
Nessa semana, Temer esteve muito à vontade em uma entrevista para seus colegas da Band e deixou escapar uma nova confissão. Dessa vez, o motivo para o impeachment seria outro:
“Em uma ocasião, ele (Eduardo Cunha) foi me procurar dizendo ‘hoje vou arquivar todos os pedidos de impeachment da presidente, porque prometeram-me os três votos do PT no Conselho de Ética’. Eu disse ‘ah, que bom! Muito bom! Porque assim acaba com essa história de que você estava na oposição. (…) naquele dia eu disse a ela (Dilma) ‘presidente, pode ficar tranquila, porque o Eduardo Cunha me disse que vai arquivar todos os processos de impedimento’. Ela ficou muito contente e foi bem tranquila para a reunião.
 No dia seguinte, eu vejo logo o noticiário dizendo que o presidente do PT e os três membros do partido se insurgiram contra aquela fala e votariam contra (Cunha no Conselho de Ética). Mais tarde, ele me ligou e disse ‘tudo aquilo que eu disse, não vale, vou chamar a imprensa e vou dar início ao processo de impedimento’.
Então veja que coisa curiosa! Se o PT tivesse votado nele naquele comitê de ética, seria muito provável que a senhora presidente continuasse.”
Sim, foi isso mesmo o que ele disse. Segundo Temer, quem derrubou Dilma não foi o cometimento de um crime de responsabilidade, mas a recusa dela em não ceder à chantagem de Cunha, cujo único objetivo era se livrar da cassação no Conselho de Ética. A história contada pelo não eleito é, aliás, a confirmação da versão de Dilma para a sua derrubada. Em sua defesa no processo de impeachment no Senado, a então presidenta disse aos senadores:
“A aceitação de meu pedido de impeachment tratava-se de uma chantagem explícita do senhor Eduardo Cunha, com a qual infelizmente vocês se aliaram. (…) As provas deixam claro que as acusações contra mim dirigidas não passam de pretextos, embasados por frágil retórica jurídica. Contrariei interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive. Arquitetaram minha destituição, independentemente da existência de fatos que pudessem justificá-la perante a nossa Constituição.”
Ou seja, o atual presidente do país, atolado nas mais graves delações da Lava Jato, confessa em rede nacional que a presidenta anterior só foi derrubada por não ceder às chantagens do seu principal aliado político – um criminoso cujo único objetivo era manter o foro privilegiado para evitar a cadeia. Sem nem corar, o usurpador confirma a tese do golpe defendida por Dilma. E isso, meus amigos, não é a grande notícia do país dessa semana! Os jornalistas da Band aceitaram com tranquilidade, e a repercussão nos dias seguintes foi mínima, irrelevante, para não dizer inexistente.
Faltou espaço para esse escândalo, mas não para Lula no telejornal de maior audiência do país. Mais uma vez, o Jornal Nacional fez o seu recorte sapeca ao noticiar as intermináveis delações da Odebrecht. Na terça-feira (11/04), o dia em que a Lista de Fachin foi divulgada, a edição do jornal surpreendeu e me pareceu bastante equilibrada. Mas, no decorrer da semana, o jornal voltou para a sua programação normal. Enquanto Temer enfrenta uma das mais graves acusações da Lava Jato, quem foi apresentado como o grande vilão do país foi, claro, Lula – o único nome da esquerda com capital eleitoral e que lidera as pesquisas de intenções de voto para 2018.
O site Poder360 analisou o tempo dedicado pelo Jornal Nacional a cada citado na delação durante a semana da divulgação da lista:
Juntos, Dilma e Lula somaram 51 minutos de exposição, enquanto todos os outros somados chegaram a 54 minutos. Mesmo sem estar exercendo nenhum mandato há 7 anos, o Jornal Nacional falou mais tempo sobre Lula do que sobre todos os principais tucanos somados que ocupam cargos públicos importantes – dois senadores e o governador do estado mais rico do país. Mesmo com toda essa pesada artilharia, a rejeição de Lula despencou nas últimas semanas e ele lidera isoladamente as pesquisas.
Não se trata de separar bandidos e mocinhos, culpados e inocentes, mas de apontar de qual lado estão os oligopólios de mídia e quais são os escolhidos para apanhar mais no horário nobre. Não que houvesse dúvidas, mas nunca é demais registrar.
Podem confessar mais mil vezes. Cunha e Temer podem vir a público e assumir textualmente que comandaram um golpe parlamentar que nada irá acontecer.
O colunismo não irá se indignar, o Jornal Nacional não vai dedicar meia hora para o assunto, o Estadão não vai noticiar na capa. Até porque, assim como foram em 64, todos eles são coautores do golpe de 16. Com bem disse o ex-presidente da Câmara –  e atual presidiário – durante a leitura do seu voto a favor do impeachment, “que Deus tenha misericórdia dessa nação”.