pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Editorial: Recife: Charlestown é aqui?
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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Editorial: Recife: Charlestown é aqui?




Estava lendo recentemente uma reportagem de um jornal local sobre o que a Polícia Científica de Pernambuco encontrou num depósito alugado pela quadrilha que promoveu o espetacular assalto à sede da empresa de transporte de valores, Brinks, localizada no bairro da Estância, Zona Oeste da cidade do Recife. Lá estão listados todos os itens que uma operação dessa natureza requer,como munições, armamentos, gasolina, maçaricos,mapas do local, máscaras de gás, coletes,fardamentos e até botas supostamente do Exército Brasileiro. Até aqui tudo muito normal. O estranho mesmo é que não tenha sido encontrado nenhum vídeo com o título Atração Perigosa, estrelado nos cinemas por Ben Affleck, onde ocorrem cenas espetaculares de assaltos a bancos, retratando nas telas fatos recorrentes do bairro americano de Charlestown, na cidade de Boston, onde, em décadas passadas, existia uma incidência assustadora de assaltos às instituições bancárias. 

Nessas quadrilhas, sempre existe a figura de um "fio desencapado", aquele sujeito que, por maiores que sejam as recomendações dos líderes mais experientes do grupo, acaba cometendo algum deslize que facilita o trabalho de investigação da polícia. Sempre há. Isso parece inevitável. Em tempos idos, no assalto ao Banco Central aqui do Recife, pouco tempo depois um dos participantes cometeu um erro primário: Entrou numa loja e renovou toda a mobília de sua residência, comprando à vista, em dinheiro vivo, o que chamou a atenção do gerente, que comunicou o fato à polícia. Naquele que é tido como o maior assalto a bancos de todos os tempos no país - e o segundo do mundo - me refiro ao do Banco Central do Ceará, onde foram subtraídos mais de R$ 160 milhões, a despeito do zelo de uma operação minuciosamente planejada, os fios desencapados também estavam por lá, cometendo deslizes que permitiram à Polícia Federal chegar a alguns dos seus executores, embora a quantia que foi reposta aos cofres públicos, comparada ao montante roubado, seja irrisória. Algo em torno de R$ 20 milhões. 

No caso do Banco Central do Ceará talvez possamos falar não de um, mas de alguns "fios desencapados". O motorista que dirigia a tal cegonha com carros cheios de dinheiro, não era do bando. Fora contratado e não escondia seu nervosismo. A Polícia Federal já o monitorava para tentar chegar à quadrilha, mas a PRF o interceptou na parada de um posto de gasolina, o que abortou a intenção de se chegar ao grupo através dele. Havia algo em torno de R$ 6 milhões no interior dos carros transportados pela cegonha. Alguém deixou cair um cartão com um número de celular nas escavações do túnel, o que levou a força tarefa da Polícia Federal a rastreá-lo, chegando a um cidadão que se escondia na periferia de Fortaleza. Através de um grampo, a PF tomou conhecimento de um encontro entre eles e deu o bote, prendendo-os e recuperando mais R$ 12 milhões. Como a quantia foi bastante expressiva, despertou muita cobiça, inclusive entre facções de bandidos rivais e membros da própria corporação policial. As extorsões tornaram-se frequentes neste caso. 

Faz pouco tempo, no bairro do Janga, em Paulista, ocorreu um assalto com esses requintes hollywoodiano. Um carro-forte que fazia recolhimento de dinheiro na agência do Banco Itaú, foi assaltado por homens fortemente armados, encapuzados, portando metralhadoras e fuzis. O assalto chegou a ser filmado por populares que transitavam pelo local. Prematuro afirmar que se trata de gente da mesma quadrilha que teria assaltado o escritório da Brinks. Em todo caso, na esteira do descontrole que estamos presenciando na área de segurança pública do Estado, os crimes contra a vida e o patrimônio estão alcançando índices assustadores. Somente neste mês, 479 pessoas foram assassinadas, o que dá um média de 15 pessoas por dia. Os crimes contra o patrimônio - incluindo aqui os assaltos ou explosões de caixas eletrônicos - já somam 10.691. Se uma média de 15 pessoas são assassinadas por dia no Estado, por outro lado, são raros os dias em que não se tem notícias de assaltos a bancos ou carros-forte, além explosões de caixas eletrônicos.

Com sotaques do Sul ou Sudeste, o fato concreto é que temos quadrilhas especializadas em assaltos a bancos atuando no Estado. A inércia e a tibieza no sentido de adoção de algumas medidas preventivas - e investigativas - permitirem que essas quadrilhas se consolidassem no Estado. Somente um trabalho de inteligência minucioso será capaz de reverter esta situação, permitindo que o Estado retome o terreno, desbaratando essas quadrilhas. Pouco importa agora culpar o Governo Temer - agora é Temer, porque já foi Dilma - acerca de um cuidado maior com as nossas fronteiras ou sobre a acessibilidade de explosivos de uso exclusivo. Certamente também não teremos a solução do problema apenas acrescentando o termo "segurança pública" ao antigo Ministério da Justiça. O fato concreto é que ficamos vulneráveis às ações dessas quadrilhas especializadas, que elegem suas praças de atuação consoante alguns requisitos, entre os quais as facilidades em suas atuações. Quando foi mesmo que o Estado desbaratou a última quadrilha especializada em assaltos a bancos que atuavam no Estado? Faz algum tempo. 

No filme Atração Perigosa, o "fio desencapado" foi uma mulher feita refém que tornou-se amante de um dos membros do grupo. O ator Jeremy Renner, que faz o papel do chefe do grupo, aconselha - em vão - ao amigo Ben Affeck a afastar-se da jovem. Quem está apaixonado comete muitas bobagens e não seria diferente com ele. Envolto numa paixão, investigado pelo FBI e acossado pelos amigos, ele acaba cometendo erros que são fatais para o grupo. No caso dessa quadrilha que assaltou o escritório da empresa Brinks, por enquanto, nós só temos o "sotaque". É muito pouco. É quase nada. Será que Charlestown é aqui?


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