pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Por que ser de esquerda, em especial nesse momento?
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sábado, 16 de abril de 2016

Por que ser de esquerda, em especial nesse momento?

A conjuntura diante de nós traz um emaranhado superposto de fatos, interpretações desses fatos, atores, instituições, práticas e interesses em conflito. Põe no centro de uma crise atos de corrupção que acontecem há anos, transgovernamentais. Temos um governo legalmente constituído, representando o quarto mandato de uma aliança política longeva no processo democrático, algo nunca visto na história do país na república. Um governo que acumula ações e números que revelam mudanças importantes nas condições de vida e acesso aos direitos por parte do povo brasileiro, ainda que, por dentro e por fora do próprio governo e de sua base, política, social e acadêmica, não sejam poucas as vozes que denunciam a incapacidade dessa aliança em ter feito reformas estruturais que mexessem nos pilares mais sólidos da dominação política, econômica e financeira da história da nação, sobretudo em seus anos republicanos e, em particular, na transição do século XX para o século XXI.
Ainda no palco da conjuntura vemos instituições político-partidárias e outras, empresariais, movendo-se para todos lados, enfrentando a aliança atual eleita desde 2003, aproveitando-se de suas fragilidades programáticas, éticas, para, como salvadores da pátria, constituírem-se em alternativa ao governo da nação. Entre esses atores, há aqueles, privados, que sempre foram parceiros/hospedeiros de governos e grupos políticos no país, desde o Império, dessa vez revelados mais do que como empresas em si, também como agentes corruptores da gestão pública no país.
Como peças dessa conjuntura que se revela a cada dia, se movem o Ministério Público e o Judiciário, um mais jovem que o outro em suas atuais funções republicanas após 1988, mas, também, susceptíveis às pressões e ingerências, seja na escolha de seus componentes seja no ritmo, na direção e nas intenções de suas atuações e decisões.
A esquerda, seus atores, suas instituições e suas práticas encontram-se nesse momento numa condição desafiadora. Parte de seus integrantes está na atual aliança de governo, foram atores centrais na construção das conquistas sociais até aqui obtidas pela sociedade. Ao mesmo tempo, deixaram-se levar pela centralidade da ocupação do aparelho de estado durante o governo, abdicando da realização de reformas estruturais nos mandatos que integram. Vejo como ainda mais grave, por serem posições de esquerda, o abandono que praticaram do debate macroeconômico, revelando-se passivos ante o modo atual de acumulação do capital, seus dogmas e arquiteturas de gestão da economia, em especial da política monetária, fundamentados em certos princípios, talvez por acharem que, com sábias manobras de gestão fiscal e orçamentária no dia-a-dia, poderíamos promover políticas distributivas, enfrentar e vencer a desigualdade, por justiça social, direitos humanos e distribuição de renda. Nessa conjuntura, como afirmei antes, mais uma vez na história do país, a questão da corrupção entra em cena. Alguns entendem que se repete não só o tema, mas a velha ladainha moralista, própria de um partido do século passado, a UDN, que fazia do combate à corrupção um de seus motes principais, com viés nitidamente moralista.
Estranho que parte da esquerda pense assim, se essa esquerda se insurgiu, em governos frente aos quais foi oposição, combatendo a privatização do patrimônio público, a venda banal de empresas estatais e a abertura da economia a agentes privados internacionais nos anos anteriores aos do governo que integra hoje.
Ora, corrupção também é privatização e dessa forma tem que ser enfrentada. A venda de uma empresa pública pode ocorrer sem ilícitos, embora no nosso país a ilicitude das privatizações dos anos de FHC, embora não investigada pelos que o sucederam (sabe-se lá porque), tenha deixado rastros por todos os lados. Corrupção não só é privatização, é crime organizado, é, também, meio pelo qual se acumulam fortunas e poder para os que dela se beneficiam, reduzindo o tamanho e o universo de atuação do estado, pela subtração de suas receitas. Contudo, no conflito entre os atores denunciados nessa conjuntura e aqueles que tentam vencê-los de todas as formas, ser de esquerda é defender a legalidade que sustenta os atuais mandatos, é denunciar a tentativa de seus opositores de, valendo-se de fatos velhos e fatos novos grosseiramente engendrados, mal explicados, gerarem outros fatos que levem a população e o Congresso Nacional, de forma antecipada, sem o voto nas urnas, a trilharem os caminhos do impedimento legal dos governantes, antes que as instituições para tal constituídas possam fazê-lo, se razões e provas  houver, com o desenvolvimento dos devidos processos legais de investigação, denúncia, julgamento e punição, com as consequências penais que a lei determina, a privação da liberdade e o seu afastamento da vida pública.
Além disso, numa conjuntura onde a esfera política alimenta e é alimentada pela esfera econômica, ser de esquerda é conjugar a defesa da legalidade dos mandatos constituídos com a defesa de profundas alterações do cenário econômico. Para isso o ponto de partida primário é o desmonte da espinha dorsal que sustenta o atual modelo e seu diagnóstico, partindo de algo essencial numa economia: A estabilidade monetária. É a fragilização dessa estabilidade, com o processo inflacionário, o centro da questão em torno da qual análises, decisões e ações se engendram na economia. Tais fundamentos precisam ser revistos. A inflação atual, sua composição e suas alterações, as medidas para seu enfrentamento e as consequências disso para as finanças públicas e o capital privado, seja ele especulativo ou produtivo, tudo deve ser revisto.
A defesa da estabilidade monetária, que não se confunde com inflação zero, nem taxa fixa universal para toda e qualquer economia, toda e qualquer nação, não é propriedade privada de uma única corrente de pensamento econômico, nem traz, em si, um único caminho e suas decisões monetárias.
Nesse contexto, onde a economia oscila segundo o dia-a-dia da crise política e dos traços que lhe desenham, ser de esquerda é denunciar a falência dos atuais modelos de mensuração, diagnóstico e enfrentamento da inflação, pois o que trazem de estável e crescente é, apenas, a inércia das repetitivas medidas que engendram ( juros altos quando a inflação sobe), o peso da dívida pública nas contas nacionais, e por ela, a extração de formidáveis massas de riqueza depositada pela sociedade no tesouro nacional, fruto de impostos e contribuições injustamente pagos pela maioria de assalariados e pelo consumo das famílias. Em suma, as medidas ora hegemônicas de combate à inflação trazem concentração de renda e riqueza por fora dos processos produtivos, que movem matérias primas, bens de capital, força-de-trabalho, geram empregos e receitas para o país. Por isso o desemprego cresce e os salários reais diminuem. A saída das elites é na contramão dos direitos: flexibilizar as relações de trabalho, retirar os sindicatos das mesas de negociações, remover a CLT do meio desse “caminho” e terceirizar os contratos de trabalho. Por isso querem o impeachment de Dilma. Para eles, com Temmer ficaria mais fácil aprovar a agenda que lhes interessa.
Ser de esquerda é trabalhar com organização e mobilização, para a superação dessas engrenagens, dando apontando rumos políticos e sociais ao governo (será outro, não nos iludamos, mais cedo ou mais tarde, se o atual abdicar das iniciativas nessa direção), tarefa essencial frente à enormidade de interesses que serão contrariados com tais medidas.
Ser de esquerda é propor uma política econômica que conjugue estabilidade, crescimento e desenvolvimento, é barrar e superar o atual modelo onde o estado e as finanças públicas são pilares da acumulação de capital improdutivo, e não de desenvolvimento. É propor uma política fiscal progressista que desonere os salários mais baixos e o consumo, onerando as altas rendas, patrimônio e ganhos de capital, como nos países nórdicos. Ser de esquerda é defender um estado desprivatizado, livre da corrupção, socializado, guiado pelo planejamento democrático para o desenvolvimento e não como hoje, um estado-âncora da acumulação do capital na esfera financeira e mobiliária (títulos, papéis, câmbio e ações).
Ser de esquerda é defender a democracia direta, os referendos e plebiscitos, é defender uma lei de mídia democrática, frente às oligarquias da comunicação, ao lado da representação política constituída (diferentemente de como foi até 2014), a partir de agora, sem a contaminação do capital, financiador de campanhas, de candidatos e de partidos, para tê-los sob seu comando no parlamento e no governo.
Ser de esquerda nessa conjuntura é afirmar e defender as mobilizações sociais como ferramentas em defesa das reformas estruturais, de um projeto democrático e de desenvolvimento, sustentável, inovador, superando as influências nefastas dos valores absolutos do mercado, do egoísmo, do capital especulativo e da submissão das nações em desenvolvimento aos interesses das nações e dos grupos financeiros internacionais, ávidos pela reprodução ampliada de seu capital em escala mundial.
Para isso, ser de esquerda hoje, mais do que nunca, é ser internacionalista, é ser solidário aos povos e nações que, como o Brasil, sofrem a pressão desses capitais e da foça destruidora de suas engrenagens econômicas e midiáticas. A Europa que rejeita os imigrantes é exemplo disso, embora defenda a livre circulação de capitais de suas empresas e fundos financeiros depositados em seus bancos pelo mundo afora. A humanidade é uma só, ante o que ser de esquerda é defender e promover os direitos humanos, a tolerância e o respeito à diversidade em todos os planos da existência humana. A construção da felicidade e da plenitude de seus direitos passa pela solidariedade, pela convergência de forças em todo o mundo nessa direção, forças que buscam a realização desses objetivos comuns em escala planetária. Ser de esquerda, especialmente nesse momento, é seguir nessa direção.
Paulo Rubem Santiago é presidente da Fundação Joaquim Nabuco
(Publicado originalmente na Plataforma de Esquerda)

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