pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: outubro 2015
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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Quem ganha com a onda ultra-conservadora que ameaça a democracia no Brasil?


Os conservadores convergem na defesa de menos Estado na regulação da economia e dos recursos naturais e menos subsídios aos setores mais vulneráveis


Flavia Biroli* - Blog da Boitempo
Wilson Dias / ABr
Um conjunto de retrocessos nos direitos das pessoas está em curso no Congresso Nacional hoje. Baseados em visões contrárias aos direitos dos trabalhadores, aos direitos humanos e aos direitos individuais que concernem a expressão, a sexualidade e a autonomia das mulheres, poderão anular décadas de conquistas e os passos dados para a construção de uma sociedade mais democrática e mais justa.
 
É para esse retrocesso, para a urgência de se fazer frente a eles em defesa da democracia e da cidadania, que procuro chamar a atenção neste texto.
 
Mesmo sendo diárias as investidas contra direitos fundamentais, não é disso que fala o noticiário político dos jornais e telejornais de maior circulação e público brasileiros. Neles, duas temáticas dão contorno à crise atual, a corrupção e a economia.
 
A primeira, apresentada de maneira seletiva, acaba expondo até certo ponto problemas de base das democracias contemporâneas. Isso ocorre a despeito de os noticiários serem restritos e alinhados a interesses que não são alheios a essa forma de realização da política.
 
Embora sirvam para alimentar reações à própria democracia e, pela forma seletiva como são apresentados, alimentem setores golpistas e desonestos da oposição, os casos de corrupção denunciados e noticiados expõem o fato de que o exercício de influência nas democracias é desigual e corresponde a padrões bem definidos. Fica claro quem tem acesso ao Estado, quais interesses se fazem valer e como são construídas as carreiras políticas em circunstâncias nas quais o financiamento privado é a ponta mais visível da colonização da política pelo capital.
 
É preciso muito esforço, mesmo para os mais aguerridos anti-petistas, para ver nos desvios de recursos e formas de financiamento das campanhas a obra de um partido ou de um punhado de atores políticos. Por outro lado, é preciso suspender a visão e os demais sentidos para acreditar que alguma transformação mais profunda poderá se dar sem que se rompa com a dinâmica pela qual o capital faz valer seus imperativos, investindo de protagonismo seus operadores e definindo os limites do possível na política.
 
A segunda temática que mencionei, predominante nos noticiários, é a economia. O discurso contra a corrupção no debate público brasileiro hoje se acomoda bem à ideia de que o deficit da política não seria de democracia, mas de gestão competente e de honestidade. A ligação com o problema da corrupção aparece na forma da crítica à amplitude do Estado e a concepções de desenvolvimento que lhe dão protagonismo.
 
O mercado, espaço de relações regido pelos imperativos do lucro e organizado numa lógica que potencializa as assimetrias, não é colocado em xeque na análise dos fatores que comprometeriam a democracia. A gestão política da economia é medida, por sua vez, não pelos efeitos que tem sobre as pessoas, mas pela avaliação que dela é feita pelos próprios agentes de mercado, em um círculo vicioso do exercício de influência desses agentes que é apresentado como um dado da natureza. As notas que orientam investimentos pelas agências “de classificação de risco” e as avaliações das consultorias de “gestão de investimentos”, com o peso dado a elas na construção do ambiente político-econômico, mostram isso claramente.
 
Chamo a atenção para o fato de que ao mesmo tempo que essas temáticas e enquadramentos são destacados, há uma dimensão da dinâmica política atual que tem sido negligenciada. Está em curso no Congresso Nacional uma investida contra os direitos que compromete as conquistas democráticas das últimas décadas.
 
Os grupos mais atingidos pelos retrocessos propostos ou já produzidos são trabalhadoras/es, indígenas, jovens, em especial a juventude negra, mulheres, lésbicas, gays. São os alvos preferenciais em um Congresso que desde a eleição de 2014 sabíamos mais conservador.
 
Sobretudo na Câmara dos Deputados, as alianças entre os setores conservadores têm sido mobilizadas para reduzir o tipo de regulação do Estado que permite ampliar os direitos, a dignidade e as condições para o exercício da liberdade.
 
É assim que vem atuando a aliança apelidada de BBB, feita de acordos entre as bancadas da bala, do boi e da bíblia, e apadrinhada pelo presidente da Câmara Eduardo Cunha – apadrinhamento que tem surtido efeito, vale dizer, uma vez que a apresentação sucessiva de provas contra ele, que incluem contas bem documentadas na Suíça para depósito de recursos provenientes de corrupção e o fato de ter mentido à CPI quando perguntado sobre essas contas, não foi até o momento que escrevo este texto suficiente para retirá-lo da presidência da Câmara.
 
Faço uma pausa para falar de Cunha. Patrono do financiamento de muitas campanhas, apoiado por partidos como PSDB e DEM, que vêm nele o fiador possível do impeachment de Dilma Rousseff, ele é um exemplo bem acabado de um tipo político que chega hoje com sucesso à Câmara dos Deputados. Apoia-se em redes de financiamento e influência que têm por base partidos (no caso de Cunha, o PMDB) e empresas que fazem apostas certas naqueles que, eleitos, lhes garantirão influência e lucros e em igrejas que se tornaram uma base renovada para a realização dessas carreiras.
 
As bancadas conservadoras que mencionei têm seus interesses específicos, mas convergem na defesa de menos Estado na regulação da economia e dos recursos naturais, na defesa da redução de políticas e de subsídios públicos para os setores mais vulneráveis da população. Ao mesmo tempo, querem mais Estado para ampliar os controles, reduzir a autonomia e criminalizar grupos específicos da população.
 
Do casamento entre neoliberalismo e moralismo ultra-conservador de base religiosa, tomam forma iniciativas que atingem de maneira direta mulheres e LGBTs, embora seus efeitos sejam abrangentes e não se restrinjam a esses grupos. A atuação de religiosos fundamentalistas confronta a laicidade do Estado e ganha identidade política justamente por meio de ações coordenadas para a retirada dos direitos desses setores da população.
 
A linha de frente de seu discurso público é uma ideia restrita e excludente de família, acompanhada de uma compreensão conservadora dos papéis desempenhados por mulheres e homens na sociedade. Na sua atuação, corroboram a redução de recursos para a saúde pública, para o desenvolvimento da educação pública de qualidade, para a garantia de direitos para os trabalhadores que permitiriam maior segurança para suas famílias.
 
Sua defesa da família atinge especialmente lésbicas e gays quando promove um Estatuto da Família (falo do PL 6583/2013, em tramitação na Câmara e já aprovado na Comissão Especial constituída para sua discussão) que os exclui diretamente.
 
Mas é importante compreender que se trata da promoção de privilégios, em uma sociedade na qual a vivência cotidiana dos afetos, da paternidade e da maternidade, da vida familiar é diversa e continuará a ser. O PL 6583/2013 exclui um enorme conjunto de famílias e de relações afetivas do reconhecimento público e do acesso aos direitos usufruídos pelas pessoas que se encaixam na concepção restrita de família que procura chancelar. Caso venha a ser aprovado, pessoas de todas as idades, inclusive as crianças, pessoas de diferentes orientações sexuais, e não apenas aquelas que estão unidas por afeto a outras do mesmo sexo, ficam potencialmente excluídas de direitos e do acesso a políticas públicas.
 
Outro projeto que mostra o que está em curso nessa suposta defesa dos valores familiares é o PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha, que pretende criminalizar a divulgação de informações e o auxílio às mulheres que desejem abortar “ainda que sob o pretexto de redução de danos”, isto é, em casos previstos na nossa legislação. Trocando em miúdos, o projeto cria obstáculos para que a mulher que foi estuprada recorra ao SUS para interromper uma gravidez resultante da agressão. Foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados no dia 21 de outubro e, caso siga adiante, revogará o atendimento integral no SUS para mulheres que sofreram violência sexual (Lei 12.845/2013).
 
Em outra frente, estão em curso ataques abertos à educação e aos professores. Nesse caso, convergem os grupos religiosos, que reagem a diretrizes que promovem a igualdade de gênero e o respeito à diversidade, e grupos ditos liberais, que reagem à maior presença do pensamento de esquerda e de reflexões favoráveis à justiça social e à equidade nas escolas e universidades brasileiras.
 
Nenhum desses grupos veio à disputa política a passeio. O primeiro, apoia-se no “pátrio poder”, na ideia de que famílias, como unidades privadas, devem definir o que é melhor para seus filhos. Seria assim, legítimo, considerarem inadequada uma educação que privilegia a tolerância e o respeito à diferença e educarem seus filhos para a homofobia ou para o que vem sendo chamado de “orgulho heterossexual”, numa fórmula que não disfarça a ironia calcada na violência contra a população LGBT.
 
Sua defesa de valores que seriam familiares nega a muitas e muitos a condição de pessoas. Por isso nada têm a dizer sobre a violência contra meninas e mulheres alimentada pelo machismo, que produz como legado índices vergonhosos de assassinatos contra mulheres no país; também não têm nada a dizer sobre a violência cotidiana contra pessoas identificadas como desviantes por serem lésbicas, gays, travestis ou transexuais. Que tipo de democracia permite essas diferenciações, entre quem merece respeito e garantias para sua integridade física e quem não merece? O que resta, quando essas exclusões são chanceladas, é um sistema político e de direitos muito distante mesmo de ideais democráticos pouco exigentes.
 
O segundo grupo, o dos que pretendem limpar a educação do esquerdismo, nem sempre está de acordo com os objetivos do primeiro. Mas estão se somando neste momento. A escola sem partido que defendem é prima-irmã da escola sem reflexão sobre gênero. Nos dois casos, definem como ideologia aquilo que não está na sua agenda. Esta seria neutra do ponto de vista partidário – embora claramente defenda a retração do Estado, dos direitos sociais e a ampliação do que definem como economia de mercado, expressão que lhes permite sonegar a informação de que se trata de ampliar os lucros de quem já está em situação privilegiada, reduzindo direitos dos trabalhadores e ampliando a liberdade das grandes corporações e agentes financeiros. Também seria neutra da perspectiva de gênero. Essa afirmação ilógica seria risível em outros tempos, mas o que buscam é justamente caracterizar como neutra uma concepção excludente de como devem viver as pessoas para que eu as respeite. Esta concepção, que querem apresentar como não marcada, embora só pare de pé amparada por crenças religiosas e preconceitos, é que estaria então definindo o ensino “neutro”, orientando conteúdos educacionais e as falas dos professores.
 
Eu dizia há pouco que não vieram a passeio. Nesse segundo grupo, fica clara a intenção presente em iniciativas do primeiro. Trata-se de criminalizar os professores, exigindo que conteúdos, posições e reflexões sobre cidadania e igualdade sejam banidos das escolas. O PL 1411/2015, proposto por um deputado do PSDB do Rio Grande do Norte, é um dos projetos em tramitação que assumem essa agenda. Ele “tipifica o crime de assédio ideológico”. Seu relator na Comissão de Educação é o deputado, também do PSDB, autor do Requerimento de Informação dirigido ao MEC em maio de 2015 que solicita a exclusão do que foi definido como “ideologia de gênero” do Plano Nacional de Educação, com os desdobramentos que já conhecemos – em uma ação coordenada em diferentes estados e municípios do país, foram retirados dos planos de educação as diretrizes para a igualdade e o respeito à diversidade de gênero. Este último é, ainda, o autor do PL 867/2015, contra o que define como ensino ideológico nas escolas, que vem sendo apelidado por educadoras e educadores de todo o Brasil de PL da Mordaça.
 
No texto do PL 1411/2015, a “defesa dos avanços nos direitos sociais”, assim como a defesa da igualdade de gênero e de raça e dos direitos da juventude, aparece como exemplo do que o deputado identifica como uma ação totalitária que seria comandada pelo PT. Com base nessas “ideologias” está presente neste projeto algo que é também a espinha dorsal do PL 867/2015: professoras e professores são identificados como manipuladores.
 
Assim, os avanços lentos nos direitos humanos e sociais no Brasil nas últimas décadas são colocados em questão. Cerca de três décadas depois da transição da ditadura para um regime democrático que preserva a liberdade de expressão, a análise crítica bem informada teórica e empiricamente, que pode permitir educar para a cidadania e estimular as reflexões sobre os problemas do país e do mundo, é vista como motivo para criminalizar professoras e professores.
 
Trata-se, de uma certa perspectiva, de política tout court, isto é, da disputa pela hegemonia, pelo acesso ao Estado, para fazer valer alguns interesses e reduzir o peso de interesses concorrentes. Deputados e senador do PSDB apresentam projetos para constranger e calar movimentos sociais e indivíduos que identificam como esquerdistas e como base política do petismo. Igrejas evangélicas definem estratégias, como vêm documentando estudos feitos nos últimos anos, para eleger parlamentares que defendam seus interesses institucionais – isenção de impostos, manutenção e ampliação de concessões de rádio e TV.
 
Mas há mais do que isso implicado nesses projetos. No primeiro caso, estão em questão a liberdade de cátedra e de crítica, a liberdade de expressão e, com ela, a democracia. No segundo caso, não se trata apenas de negócios das igrejas, mas de uma reação conservadora e obscurantista, articulada a ações da Igreja Católica, contra transformações ocorridas nas sociedades nas últimas décadas. Daí a definição de mulheres e da população LGBT como alvos. Mudanças profundas e a ampliação da legitimidade das lutas desses grupos por direitos transformaram a correlação de forças no Brasil e no mundo. É às transformações que assim foram produzidas que reagem os ultraconservadores, ainda que sem dúvida procurem mobilizar essa reação para fins eleitorais. O moralismo conservador serviria não apenas para angariar votos, mas também para ocultar ou ofuscar outras dimensões da sua atuação política. Algo semelhante pode estar se dando quando políticos do PSDB encontram em fórmulas fascistas de atuação política um caminho para angariar votos em um momento de polarização política, em que a oposição violenta ao PT e aos que são identificados como petistas é afirmada.
 
Parece-me necessário qualificar com clareza a agenda dos parlamentares vinculados a igrejas evangélicas e à católica e de seus aliados ultra-conservadores no Congresso hoje: combatem décadas de luta por respeito às pessoas independentemente do seu sexo e da forma como vivem sua sexualidade e seus afetos. Investem contra a construção lenta e difícil de processos educativos que promovam nas escolas um conhecimento atrelado à cidadania, visando a construção de uma sociedade na qual possamos reduzir a violência, promover a igualdade com respeito às diferenças e abrir caminhos para garantir mais dignidade para as pessoas.
 
Pergunto-me sobre o que pensam do “PL da Mordaça” os que são de fato liberais. Pergunto-me, também, se cidadãs e cidadãos religiosos, evangélicos ou católicos, estão cientes de que suas lideranças no Congresso promovem hoje retrocessos nos direitos humanos, criando leis e difundindo preconceitos que levarão a mais violência contra homossexuais e mulheres, a menos capacidade para a tolerância e a solidariedade, a uma sociedade que não vai se tornar menos plural, mas menos justa.
 
*Professora do Instituto de Ciência Política da UnB. É autora, entre outros, de "Feminismo e política: uma introdução" (Boitempo, 2014), escrito em co-autoria com Luis Felipe Miguel.

(Publicado originalmente no site Carta Maior)

Créditos da foto: Wilson Dias / ABr



Michel Zaidan Filho: A demonização do Estado no Brasil




Criticando a ideologia no novo municipalismo no Brasil, houve quem dissesse que é de coalizões políticas centralizadoras que os avanços sociais são conquistados no país. É como dizer que nada se espere do pleno funcionamento do Poder Legislativo e de suas infindáveis negociatas, se um Presidente desejar aprovar medidas de amplo interesse público e popular. Os positivistas republicanos sabiam disso quando propuseram a "ditadura republicana" na Constituinte de 1891, como forma de neutralizar os interesses das oligarquias estaduais. O governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, Arthur Bernardes, e sobretudo, Getúlio Vargas - o pai do Estado novo - também aprenderam a lição. Legislaram em favor dos direitos trabalhistas, sem apoio do Congresso Nacional. Jango e suas reformas de base só avançaram num contexto de desinstitucionalização da política. O fato é que a descentralização e a clássica divisão de poderes no Brasil - para não falar na ideologia conservadora dos nossos parlamentares - tem sido um forte entrave na aprovação consensual de medidas de avanço social, entre nós.

O que nos autoriza dizer que é da ação público-estatal, em conjunturas de fraca atuação do Poder Legislativo, que decorrem as transformações sociais brasileiras. Quando a ação estatal beneficia as minorias organizadas na sociedade - que atuam através de "lobbies" e da imprensa - há um assentimento geral de que o Estado fez a coisa certa: socorrer a agro-indústria, os bancos, os agro-exportadores, as montadores de automóveis, as multinacionais que produzem os artigos da chamada "linha branca" etc. Agora, quando o Poder Executivo, através de um imenso programa de transferência de renda, crédito subsidiado, investimentos em infra-estrutura social, aumento de oportunidades para os mais pobres, age, aí o Estado é perdulário, populista, irresponsável, gastador, põe em risco o grau de investimento do país e por vai...

Pergunta ingênua: por que  o Estado brasileiro só é bom quando beneficia especuladores, banqueiros, agro-exportadores, empresas multinacionais, empresários nacionais? - O hipócrita e falso argumento da meritocracia esgrimido pelos estadofóbicos que diz ser o êxito e o sucesso profissional resultado  exclusivamente do mérito individual das pessoas, esquece que este mérito vem dos privilégios, das oportunidades, do chamado "capital simbólico" e do "habitus", como diz o sociólogo francês Bourdieu. Ou seja, ele está longe de ser meramente individual. Num país como o nosso, onde historicamente as oportunidades e os privilégios têm sido destinadas à classe média e aos ricos, é um crime de lesa-sociedade não adotar uma agenda pública que priorize o gasto social, o aumento da despesa com mais  educação, mais saúde, mais moradia, mais capacitação profissional, intercâmbios acadêmicos para os mais pobres e desafortunados. Essa é a ação prioritária do Estado: combater e diminuir a desigualdade social. Afinal os mais pobres não são apenas massa de manobra eleitoral ou mão-de-obra  farta e barata para a exploração brutal e desregulada do capital nacional ou multinacional.

O último self-made- man brasileiro morreu com Monteiro Lobato e sua crença no fordismo. O que nós temos na elite brasileira são modalidades da lei de Gerson, Airton Sena, Pelé e companhia ilimitada. Não se iludam com as catilinárias dirigidas - pelos ricos e bem sucedidos - contra o Estado brasileiro, sobretudo quando ele é acusado de gastar (muito) com a população mais pobre. Esta turma não está preocupada com o equilíbrio das contas públicas, o grau de investimento, ou a segurança jurídica para a realização dos negócios no país. Mas sim com os próprios interesses e a perpetuação do uso de recursos públicos para os próprios negócios.
 
Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Emir Sader: A polícia brasileira, a mais violenta do mundo, mata em nosso nome.

 Brasil possui o triste recorde de ter a polícia mais violenta do mundo, a que mais mata. Deveria ser razão para se tornar o maior escândalo do pais.

por Emir Sader em 26/10/2015 às 10:58




Emir Sader
O Brasil possui o triste recorde de ter a polícia mais violenta do mundo, a que mais mata. Deveria ser razão para se tornar o maior escândalo do pais.
 
 Mas não é, porque é uma polícia que mata a jovens pobres e negros, com a delegação e a aprovação implícita de grandes setores da opinião publica. Carne barata, sangue que jorra das famílias pobres, funerais nas periferias anônimas.
 
 O Brasil passa, desde 2003, pelo maior processo de democratização social da sua historia. Os direitos das grandes maiorias são reconhecidos, nao há praticamente ninguém mais abandonado, excluído das políticas do Estado. 
 
 Como é possível que, nesse mesmo momento, essas mesmas famílias incorporadas a direitos sociais básicos, reconhecidas como cidadãos pelo governo, sejam vítimas do maior genocídio do Brasil contemporâneo – o dos jovens negros? Como é possível que isso exista em governos progressistas e como é possível que nós aceitemos passivamente esse genocídios, que diariamente ceifam a vida de dezenas de jovens negros?
 
 Uma parte pode ser atribuída à invisibilização do fenômeno promovida pela mídia, assim como pela criminalização dos jovens negros e pobres. Um procedimento como o controle e detenção de jovens negros e pobres que vão para as praias da zona sul do Rio é uma confirmação evidente dessa criminalização. Mas outras tantas manipulações se dão cotidianamente nos programas que comercializam o crime nas TVs e nos rádios, consolidados pelos jornais e revistas.
 
 Outra parte tem que ser entendida como o “medo dos pobres”, especialmente dos jovens negros, disseminado há décadas na nossa sociedade. O jovem negro e pobre virou fator de “risco” para a segurança da classe média e da burguesia, que prefere que eles sejam reprimidos, presos, mortos.
 
 Fundamentalmente, é a polícia matando jovens pobres e negros, todos os dias, pagos com os salários financiados pelos nossos impostos, usando uniformes que nós colocamos neles como autoridades que reconhecemos, com armas e munição compradas com os impostos de todos – para que os jovens pobres e negros sejam executados em nosso nome.
 
 Como não nos dispomos a ir nós mesmos matá-los, porque seria insuportável, contratamos policiais para fazer esse trabalho sujo por nós. Os corpos desaparecem ou são entregues na calada da noite para suas mães. Não vamos a seus funerais, nem sequer divulgamos seus nomes, suas fisionomias, os nomes e os rostos das suas mães, do seus irmãos, dos seus amigos. 
 
 E se, um dia não aguentarmos mais e passarmos a dizer: “Não em nosso nome.” ”Basta, não aguentamos mais. Chega!”? E se dissermos:  “Não pago mais impostos para financiar uma polícia que mata jovens negros e pobres todos os dias”? 

domingo, 25 de outubro de 2015

Michel Zaidan Filho: Lições de direito ao pequeno imperador





Segundo o Código de Direito Penal,uma interpelação judicial, TAMBÉM CHAMADA DE AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA,  interposta por uma das partes é um pedido de explicação sobre algum fato, referência  ou escrito em razão de ambiguidade, dubiedade ou equivocidade,por via judicial. O magistrado tem o dever de encaminhar o pedido da parte subscritora ao interpelado, estabelecendo prazo para a resposta. A rigor, esse pedido de explicação, via judicial, não é parte do processo criminal. 
A obrigação do juiz é intimar a parte destinatária da interpelação, com a queixa anexada, e aguardar, no prazo fixado, sua resposta, encaminhado-a - quando houver - a parte reclamante. O interpelado responde se quiser ou se achar conveniente, pois ele tem o direito de não produzir provas contra si ou auto-incriminar-se.Cessa ai  a atividade da Justiça Criminal. A autoridade judicial não pode e não deve obrigar, constranger o interpelado a fazer nada.
Ela simplesmente se reporta ao autor da petição, entregando-o o resultado da interpelação. A interpelação judicial é um expediente utilizado para produção de provas para, aí sim, dar  provimento a uma ação penal de injúria, calúnia e difamação (tipificados como crimes contra a honra), caso a parte reclamante não fique satisfeita com a resposta ou a ausência de resposta da parte reclamada. Não é normal, num pedido de interpelação judicial (mesmo em se tratando de uma autoridade pública), não se fixar prazo para a preparação e envio de uma defesa prévia, não se anexar o motivo da interpelação judicial,e em seguida, marcar-se uma audiência em juízo para ouvida ou pedido de explicação. 
Em se tratando de uma ação voluntária, o interpelado não é obrigado - por ninguém - a responder ou comparecer a qualquer audiência. Afinal, é só um pedido de explicação; não um processo criminal, que poderá se seguir à interpelação, a juizo da parte interessada. Caso a autoridade judicial insista com a interpelação, vencido o prazo decadencial e a prescrição, cabe mandato de segurança por conduta irregular do Poder Judiciário. 
 
Por outro lado, a lei da organização judiciária prevê que o chefe de secretária ou o responsável pela expedição dos mandados de citação estabeleça um prazo para  que o oficial de justiça entregue o mandado. Não é comum que, a volta do mandado de citação não entregue ao seu destinatário seja substituido por um, dois, três novos mandados, com o mesmo motivo e destinatário, sem que o mandado original tenha sido entregue e o mensageiro, interpelado pelo chefe da expedição sobre os motivos da não intimação, fixando um novo prazo para isso.
 
Há também a questão do prazo entre a ocorrência e a ciência do fato gerador da interpelação pelo reclamante e a data da intimação. A lei estabelece um prazo decadencial (6 meses) para essas ações, que não será interrompido nem pela interpelação nem por qualquer audiência marcada. O que pode levar a nulidade de qualquer ação futura sobre o mesmo fato ou ocorrência.
 
O oficial de Justiça sempre pode alegar excesso de trabalho, acúmulo de mandados de citação para entregar, falta de pessoal, greve no judiciário, péssimas condições de trabalho etc., para não ter entregue os mandados. Mas não se entende, assim, como é possível ocupar -ao mesmo tempo - três oficiais de justiça para fazer a mesma coisa, um deles fora do horário de trabalho, no espaço de menos de um mês. E em se tratando, não de um processo criminal, mais de um simples pedido de explicação, que pode ou não ser respondido.
 
Segundo o ministro Gilmar Mendes, respondendo a um pedido de interpelação de José Sarney a José Serra, através do Supremo Tribunal Federal, a mediação do magistrado cessa no momento em que é feita a intimação. Se vai haver resposta ou não, se o reclamante vai ficar satisfeito ou não e vai querer prolongar a querela, isso já não tem mais a ver com a Justiça. Cabe ao interessado ajuizar no poder Judiciário uma ação criminal, com base na tipificação penal dos crimes contra a honra, e aí começa tudo outra vez.
 
Porém, essa nova ação não pode mais ser feita a partir do mesmo fato gerador da petição inicial, pois o prazo decadencial impede que ela - a ação - possa ser embasada naquele fato. Haveria que se buscar outro fato para embasar a nova ação.
 
Tudo isso seria perfeitamente dispensável - no momento em que o Estado de Pernambuco apresenta para o mundo as piores masmorras prisionais do planeta- se as nossas autoridades públicas tivessem um "animus" democrático e aceitassem as críticas à sua gestão. Ou se conhecessem, não o código das contabilidade pública - mas a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e a lei de Organização Judiciária. Mas é pedir muito a quem foi posto no cargo por outros, para fazer a política dos outros. E agora, José? Para onde?
 
 
PS. Os interessados em saber a titularidade do avião que vitimou o -ex governador de Pernambuco, podem ler com muito proveito a crônica de Jânio de Freitas, "Jato Silencioso", do dia 18 de agosto de 2015, lá se diz sobre a falta de vontade política de apurar as responsabilidades civis e penais decorrentes do sinistro do aeronave e as névoas que recobrem as transações para a compra da aeronave.

Michel Zaidan Filho é filósofo, historiador, cientista político, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco e coordenador do Núcleo de Estudos Eleitorais, Partidários e da Democracia - NEEPD-UFPE.

Editorial: Lula: Não importa se o Cunha é corrupto, se ele pode salvar o mandato de Dilma.




Conhecendo o poderio da Rede Globo àquela época, lá pelos meados da década de 90, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva fez uma visita ao então todo-poderoso Dr. Roberto Marinho. Radical, isso nos deixou com uma pulguinha atrás da orelha. Pesquisando o Partido dos Trabalhadores - com propósitos acadêmicos - chegou às nossas mãos um exemplar de um jornal publicado no ABC paulista, onde constava uma entrevista de Lula. Guardo até hoje esse exemplar em meus arquivos. A pessoa que nos encaminhou, hoje figura de proa da agremiação, pediu que ficássemos atentos às posições de Lula sobre as alianças eleitorais. Num determinado momento da entrevista, lá estava, com todas as letras e todos os pontos nos "is", uma frase emblemática do Lula, identificadora de todo o seu pragmatismo político: Não importa a cor do voto, se ele cai na urna. 

Confesso que esse pragmatismo de Lula, às vezes, nos cansam. Agora mesmo ele entrou como um "rolo compressor" em Brasília, disposto a fazer todo tipo de acordo político para "salvar" o pescoço da presidente Dilma Rousseff. Pediu a cabeça - e foi atendido - de pessoas que não eram de sua confiança, escalou uma tropa de choque para concretizar essa operação. Por uma dessas circunstâncias torpes da política, Lula é hoje um dos principais defensores do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha(PMDB), um político mais sujo do que pau de galinheiro. A única coisa coisa que importa para Lula é o fato de que, apesar dessas injunções, Cunha possui, em suas mãos, o poder de salvar o mandato da presidente Dilma. 

Esse trabalho de bastidores de Lula envolveria, igualmente, uma obra de engenharia dentro do próprio PT. Tentaria convencer a companheirada - sempre muito bem-sucedido nessas empreitadas - de reavaliarem suas posições no que concerne ao afastamento de Eduardo Cunha daquela Casa. Há quem informe que Lula poderia voltar a disputar uma eleição presidencial, talvez a de 2018. Caso isso se confirme, a pergunta que fica no ar é qual seria o seu discurso para os eleitores, sobretudo para aqueles mais identificados com o partido, uma vez que o programa de governo executado pela presidente Dilma Rousseff está longe de representar aqueles interesses. 

Mas, diante do pragmatismo "assustador" do ex-presidente, 2018 se discute em 2018. Afinal, no momento, parece pouco importar se o Cunha é corrupto, desde que ele salve o mandato da presidente Dilma Rousseff. Haja pragmatismo!

sábado, 24 de outubro de 2015

Crônicas do cotidiano: Um comunista em Ouro Preto




José Luiz Gomes

A crise financeira parece ter se instaurado de vez nas instituições federais de ensino superior. Só se fala em cortes de despesas, restrições de viagens, atraso do pagamento dos terceirizados e coisas do gênero. Outro dia li, nas redes sociais, na timiline do professor Durval Muniz Jr​, um apelo aos alun@s para ajudá-lo a viabilizar um curso que será ministrado por ele na Universidade Federal de Pernambuco, sobre o pensamento do filósofo francês, Michel Foucault, no qual ele é um dos nomes mais respeitados na academia brasileira sobre o assunto. Durval informava que os recursos oferecidos pela UFPE mal davam para cobrir as despesas correntes. 

Solicitava que uma alma caridosa pudesse apanhá-lo, de madrugada, no Aeroporto Internacional dos Guararapes e, se alguém morasse em Boa Viagem e fosse fazer o curso, que se propusesse a oferecer-lhes alguma carona. Espero que o professor tenha equacionado o problema. Pelo menos no nosso compartilhamento, não apareceu nenhuma dessas alma caridosa. Há alguns anos atrás, ainda no Governo Lula, o quadro era muito distinto nas Universidades Federais. Era o tempo das vacas gordas, com verbas suficientes para tudo; ofertas de bolsas de pós-graduação; expansão da rede física; créditos para a estudantada; democratização de acesso aos cursos de graduação. 

Em termos de qualificação, foi um período muito fértil para a Fundação Joaquim Nabuco. Por essa época, nos dirigimos à cidade mineira de Ouro Preto, para participarmos de um seminário e um workshop. Creio que já podemos usar o termo sem as costumeiras admoestações do escritor Ariano Suassuna, que abominava a expressão. Se tivermos que prestar contas sobre isso já será no outro plano. Foi uma viagem bastante produtiva em todos os aspectos, sobretudo porque foi concebida a partir das necessidades específicas do cotidiano dos trabalhos desenvolvidos na Instituição, ou seja, fugia àquela tendência de capacitar por capacitar, apenas para apresentar números nos relatórios. Valeu, inclusive, pela formação de "redes", algo sem a qual não se sobrevive nos dias de hoje. Ainda recebe, na minha caixa de e-mail, as mensagens dos colegas dos grupos formados durante a oficina. Que seja, Ariano! 

Era um momento festivo em Ouro Preto. Se me lembro bem, a devolução à população do Museu da Inconfidência, que havia passado por um processo recente de requalificação. Até o ministro da Cultura, Gilberto Gil, esteve presente, sem escapar das tietagens das suas inúmeras fans ali presentes. O momento também foi utilizado por uma Ong para protestar contra o descaso do patrimônio histórico naquela cidade. A viagem de Belo Horizonte a Ouro Preto é feita de ônibus, pelas famosas estradas mineiras. Já próximo a Ouro Preto, numa encosta, lá estava Itaberito. 

Em nossas aulas de Sociologia da Educação, íamos com os alun@s, checar, in loco, experiências bem-sucedidas na área de educação. Uma das melhores viagens foi para uma cidadezinha litorânea do Ceará, administrada por um padre progressista, que havia promovido uma verdadeira revolução na educação do município. Quando fizemos a proposta de conhecer as políticas públicas locais para a área de educação, ele aceitou de pronto, colocando a infra-estrutura do município à nossa disposição. Havia uma outra experiência desenvolvida em Itabirito, bastante discutida em sala de aula. Uma das coisas que mais lamentei nessa viagem a Ouro Preto, em razão da exiguidade de tempo, foi não ter dado uma passada por Itabirito. 

Priorizávamos aquelas iniciativas bem-sucedidas de enfrentamento dos "gargalos" históricos da educação brasileira, mas, eventualmente, também íamos ver de perto realidades desagradáveis, como a exploração do trabalho infantil em cidades como Santa Maria Boa Vista, no interior do Estado, onde crianças eram exploradas no processamento da castanha de caju. Ficavam afastadas da escola, perdiam as digitais dos dedos e os sonhos. Curiosamente, creio que pelos idos dos anos 80, na primeira gestão de Geraldo Mello - sim, Geraldo Mello - como prefeito de Jaboatão dos Guararapes, a correlação de forças em jogo permitiu que fossem desenvolvidos projetos interessantes na área de educação, por incrível que pareça, de inspiração nos pressupostos da educação socialista desenvolvida em Cuba. 

Telúrico e da bagaceira quando criança, uma das coisas que mais gostava era ser acordado pela "fuzarca" dos alunos, numa escola pública que ficava nas proximidades da Pousada. Batia as saudades daqueles tempos. De nossa escola primária, de Dunda, o melhor amigo, de Dona Maria José Tavares de Lima, a professora das primeiras letras. No turno da tarde, a escola recebia os adolescentes, já imbuídos de brincadeiras menos inocentes, bem traduzidas pelo Tavito: Sem querer fui me lembrar, de uma rua e seus ramalhetes, do amor anotado em bilhetes, daquelas tarde... No muro do Sacré-Coeur, De uniforme e olhar de rapina, nossos bailes no clube da esquina, quanta saudade!

Os poucos momentos de folga foram dedicados a conhecer o patrimônio barroco mineiro, seus museus, suas Igrejas, além fazer o percurso dos "inconfidentes". Tivemos alguns inconvenientes nessa viagem, como um medalhão de carne de porco degustado num restaurante em Mariana. Fui acusado, pasmem, até de racismo por degustar esse medalhão. Quem conhece a história sabe do que estamos falando. Quem não a conhece, ficará sem conhecê-la. Um outro fato curioso é que alguns transeuntes passaram a nos confundir com o hoje Ministro da Defesa, Aldo Rebelo, do PCdoB. Com as negativas, alguns insistiam que eu estava me recusando a revelar a verdadeira identidade. 

Já de volta da viagem, em solo recifense, passei a ficar mais atento à fisionomia do Aldo Rebelo. De semelhante? talvez aquelas indefectíveis entradas pronunciadoras de uma calvície, o rosto largo e aquele bigode ralo e já embranquecido. Poderia ser confundido sim. Não nos ocorre de Aldo Rebelo estar, sequer, na cidade. Vai aqui mais um alerta para esses frenesis e "ondas" coletivas. Quase me tornei ministro! Já imaginaram?

  

Todo apoio ao professor Michel Zaidan Filho

Somos Todxs Zaidan

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Somos todxs Zaidan!

Somos todxs Zaidan!

Ensaio
22 de outubro de 2015
Por Diogo Valença, Gutemberg Miranda, Mateus Toledo e Mauricio Gonçalves, ex-estudantes da UFPE.
(Publicado originalmente no blog Síntese)
A onda de regressividade democrática em Pernambuco (mesmo que nos quadros de uma democracia liberal-formal, diga-se) alcança agora uma das mais importantes figuras do Estado, intelectual e politicamente, cuja trajetória em defesa dos interesses dos segmentos populares e do autêntico espírito republicano e antiprivatista é contado em décadas: o professor Michel Zaidan Filho. Não bastassem o monitoramento, infiltração e ataques aos Direitos Humanos daqueles que protestam em Pernambuco – vide os episódios das diversas lutas sociais, das jornadas de junho de 2013, mobilizações contra a Copa da FIFA e remoções de São Lourenço da Mata ao Movimento Ocupe Estelita, entre tantos outros –, agora é o eminente professor quem está sendo chamado a dar explicações por suas declarações. Zaidan vem recebendo várias intimações – mandados de citação – através de visitas de oficiais de justiça convocando-o a depor por supostos crimes (calúnia, difamação, etc.) contra o atual governador Paulo Câmara [1], apadrinhado do falecido Eduardo Campos – aquele que o status quo local busca em doses cavalares transformar em mito.
Contudo, o ataque, a intimidação e o constrangimento a Zaidan ganham inteligibilidade se levamos em conta que é ele quem vem desvendando e desvelando os nexos íntimos, a lógica interna de funcionamento da força política estadual hoje hegemônica, que, diga-se de passagem, já enfrenta investigações, com provas e mais indícios, de não ser assim tão asséptica como quer parecer [2]. A ofensiva autoritária do governo do Estado evidencia o recuo dos Direitos Civis, que há pouco ganhou mais um episódio com a perseguição ao presidente do Sindicato dos Policiais Civis em Pernambuco, Áureo Cisneiros, através de representação criminal [3]. Ou seja, criticar politicamente o governador seja onde for (blogs, carro de som, redes sociais, etc.), não por pura invenção, mas a partir de documentos (de órgãos estatais de fiscalização ou jornalísticos), é tido como ataque pessoal e motivo para processo judicial e representação criminal. Onde isso vai parar?
O professor Michel Zaidan é importante não apenas pelo papel que vem cumprindo. Nem somente pelas opiniões que exara contra a lógica privatista e patrimonialista da atual gestão do governo estadual, numa verdadeira atuação como intelectual público. Sua relevância se torna ainda maior num cenário de silêncio e omissão da esmagadora maioria de seus pares. E o que dizer então de seu papel, quando muitos docentes subscrevem a repressão policial a estudantes ocupados na Reitoria [4] – em nome da defesa da ideologia da meritocracia e da competitividade mercadológica da UFPE! – em reivindicação pela implementação de um estatuto universitário elaborado pela comunidade da UFPE, e que foi promessa de campanha do reitor eleito [5]?
Independentemente do acordo ou não com seus pensamentos (e nós nem sempre defendemos as mesmas posições), recebemos dele algumas lições que transcendem o atual momento e as opções políticas particulares, e que buscamos carregar como ensinamentos duradouros: (a) a generosidade e o compromisso intelectual (quantas vezes obtivemos indicações bibliográficas e dicas para que seguíssemos em pesquisas e vieses que não eram os mesmos que os dele?); (b) o desprendimento e a disponibilidade pessoal, sempre pronto a colaborar com o desenvolvimento de um grupo de estudos, com uma formação sindical, com uma palestra/conversa com um movimento popular, com uma reflexão partidária etc., o que só demonstra sua estatura (atividades que não proporcionam retorno institucional, credibilidade acadêmica, nem tampouco “engordam” o Currículo Lattes); (c) defesa em atos, e não apenas em palavras, da res publica (utilizando e sofrendo com os propositalmente sucateados e precários serviços coletivos de transporte e saúde públicos, entre outros).
Mais do que lições acadêmicas e teóricas, Zaidan nos deixou um método, uma prática, uma postura, um exemplo. Será possível ir além da miséria do presente sem esses elementos? Estamos convictos que não. Por isso não podemos deixar que a tecnocracia patrimonialista – legado de uma espécie de neocoronelismo eduardiano – e a “democracia das empreiteiras” (entre elas a Odebrecht e a Moura Dubeaux) e do grande capital em Pernambuco façam o que estão fazendo. Os ataques a Zaidan – mas também aos manifestantes das jornadas de junho, ao Ocupe Estelita, a Áureo Cisneiros, etc. – são ataques a todos os que continuam na resistência e que teimam em defender os valores de uma res publica radicalmente democrática em todos os níveis, contra os desmandos e arbitrariedades do governador, de seus correligionários políticos e de seus representantes no aparelho estatal. São ataques aos que defendem os valores públicos mais avançados de nosso tempo. Valores que aprendemos teórica e também praticamente com o professor. Por isso, hoje devemos exclamar sem receio: “Somos todxs Zaidan!”.
 

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Gestão Pública do Governo de Pernambuco: O relatório devastador da Human Right Watch sobre o sistema penitenciário pernambucano.

 
 
Ontem, a ONG Human Right Watch apresentou um relatório devastador sobre a situação do sistema penitenciário do Estado de Pernambuco. A rigor, nós que convivemos todos os dias com essa realidade, não precisávamos esperar que uma entidade internacional apresentasse esses dados para nos darmos conta da caótica situação em que se encontra o nosso sistema prisional. Por outro lado, vejo aqui uma excelente oportunidade de começarmos uma discussão acerca da gestão do governador Paulo Câmara(PSB), conforme havíamos prometido. 

Começo por reconhecer que os problemas do sistema são estruturais, de longas datas, envolvendo praticamente todos os Estados da Federação, em maior ou menor proporção. Ou seja, o descaso com essa questão é generalizado. Como sugeriu o professor Michel Zaidan Filho, num dos seus artigos, os apenados estão sendo entregues à própria sorte pelo Estado - com a conivência da sociedade - susceptíveis às "soluções" conhecidas, num conjunto de regras estabelecidas pelo próprio sistema. Não estranha, portanto, conforme apontou a Human Right Watch, que é cada vez menor o controle do Estado sobre o que ocorre na sociedade encarcerada. 

Isso, conforme afirmamos, ocorre em todo o Brasil. Não é privilégio do Estado de Pernambuco, tampouco pode ser atribuído ao governador Paulo Câmara. Isso vem de longas datas, embora não se exima esse governante da necessidade urgente da adoção de medidas para minimizar essa situação vergonhosa. Ficamos imaginando o tamanho do abacaxi a ser descascado,sobretudo agora, em razão da crise de financiamento da máquina pública. O descaso das políticas públicas para essa área é histórico. O abismo é profundo e não haverá solução a curto prazo. 

Aliás, não sabemos se algum dia haverá solução para o problema. E ainda há, em alguns Estados - Pernambuco é um deles - secretarias destinadas a cuidar dessa questão com o pomposo nome de Secretaria de Ressocialização, seja lá o que isso signifique. Segundo dados da OAB, Pernambuco concentra a maior população carcerária do país. Nossos presídios abrigam 32 mil apenados, quando a nossa capacidade seria de apenas 10 mil. Mas a superlotação seria apenas um dos problemas.Muitos desses apenados são doentes de tuberculose, AIDS e outras enfermidades; muitos já cumpriram a pena, mas a justiça é lenta ao acompanhar esses processos; os "chaveiros" cumprem o papel que deveria ser exercido pelo Estado, inclusive criando um poder paralelo que envolve tráfico, extorsões e até execução de alguns presidiários. 

No dia de ontem, o secretário executivo da pasta concedeu uma entrevista no sentido de contestar alguns pontos do relatório da Human Right Watch. É o tal negócio. Não convence. É o tipo de justificativa que não justifica absolutamente nada. O déficit de agentes penitenciários chega a 4,7 mil segundo dados que possuo. Há um percentual de novos agentes  que já passaram por um processo de formação e ainda não foram chamados. Num episódio de fuga recente, num dos presídios locais, haviam apenas 04 agentes de plantão. A previsão seria de 06 agentes, mas dois deles teriam apresentados atestados médicos. É complicado tratar desses assuntos porque as pessoas sequer se interessam em ler. Já observei que dá uma das menores audiências de acesso do blog. No ritmo que as obras de construção das novas unidades prisionais; um déficit de 4,7 mil homens e a ocupação do triplo das vagas disponibilizadas; é inegável um descaso histórico com a questão. Na próxima semana, é a vez de observarmos algum aspecto da gestão municipal do Recife. Pelas fotos publicadas pela assessoria, Geraldo está mais feliz do que pinto no lixo. Vamos ver esse bom-humor permanece.   

A polêmica em torno da mudança no processo de selação para ingresso no Colégio de Aplicação da UFPE

Publicado em 21/10/2015 às 13:30 por em Notícias
Por José Luiz Gomes, cientista político, em artigo enviado ao Blog de Jamildo

A primeira ressalva a ser feita é que divirjo politicamente do senhor Pierre Lucena, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Mas, neste artigo em particular – como bem observou um comentador – parece que ele chutou a bola com o pé esquerdo, se colocando ao lado daqueles inúmeros jovens que têm seu acesso interditado ao Colégio de Aplicação da UFPE. Ainda estamos sob o efeito do artigo: “Sorteio de vagas no Colégio de Aplicação é mais justo que vestibular para crianças de 10 anos”. O artigo de Pierre Lucena entra no debate acerca das possibilidades de mudanças no processo seletivo do Colégio de Aplicação da UFPE.

Não faz muito tempo, depois dos bons resultados obtidos por aquele colégio nos indicadores de educação do país, publicamos um longo artigo em nosso blog sobre o assunto. Desde então, sempre movido por uma perspectiva republicana,já nos colocava como um frustrado defensor da meritocracia. Em linhas gerais, a meritocracia é o resultado de oportunidades desiguais, salvo as raríssimas exceções, que apenas confirmam a regra.

Se há alguma ponderação a ser feita em favor dos seus defensores, apenas o fato de que alguns indivíduos não “aproveitam” bem essas oportunidades quando lhes são oferecidas e há aqueles que fazem um esforço tremendo para superar suas adversidades, comendo o mingau quente pelas beiradas, mas não passam muito disso não. A “criação” de oportunidades é uma variável que foge ao controle dos indivíduos. Elas devem ser ofertadas pela estrutura social. O resto é conversa para boi dormir. Um teórico que tratou muito bem essa questão foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que ficaria conhecido como o sociólogo das desigualdades.

O tema proposto por Pierre é bastante polêmico, nos contingenciando a dividi-los em parte, consoante o debate que se seguiu no seu blog Acertos das Contas. Confesso que também considero temerário submeter crianças de apenas 10 anos àquela processo seletivo, quando apenas algumas delas poderão ser bem-sucedidas no final. Há poucas vagas e passam apenas os “melhores preparados”, consoante inúmeros “filtros”, exaustivamente discutidos no texto. Todos esses “filtros”, naturalmente, são impostos pelas contingências de uma sociedade hierarquizada e profundamente desigual desde a sua origem, forjada no trabalho escravo.

Na realidade, Pierre, apesar de estar “atrelado” ao Centro de Educação da UFPE, estatutariamente o CAp teria sido pensado não apenas como um laboratório do curso de Pedagogia, mas, sobretudo das licenciaturas da UFPE. Apesar de pertencer a outro Centro – Centro de Ciências Sociais Aplicadas – na condição de professor da UFPE, penso que você tem credenciais para tratar deste assunto sim, apesar das contraposições dos colegas professores. Penso que isso ainda refletem as disputas internas naquela Instituição. Claro que você tem razão ao observar a “autonomia” forjada em torno desses equipamentos, criados para dar suporte à formação dos alun@s de determinados departamentos, como a Rádio e TV Universitária, assim com o próprio CAp.

Em seu artigo, você citou o economista Cláudio de Moura e Castro – cujo reconhecimento nesta área de educação parece fora de questionamentos – a despeito do viés conservador. Eu vou citar alguém mais próximo. Alguém que já foi diretor do Centro da Educação da UFPE. O professor Yves de Maupeau. Ainda hoje lembro daquela figura esguia, chegando na UFPE em sua indefectível bicicleta. Lembramos, ainda, de uma longa conversa mantido com ele, em seu gabinete, onde prontificou-se em ajudar-nos num desses momentos adversos que a gente enfrenta pela vida. Ives era uma pessoa progressista, mas, naquele encontro, cometeu o sincericídio de afirmar que o Colégio de Aplicação não saberia trabalhar com alunos provenientes de estratos sociais mais empobrecidos, com deficiências graves em sua formação escolar. Talvez desejasse isso, mas antevia as dificuldades.

Um dos seus críticos, Pierre, questionou de onde você tirou a conclusão de que os alunos fragilizados social e economicamente são raros no CAp. Como poderias ter chegado a essa conclusão sem um levantamento sobre a origem social daqueles alunos. Penso que no próprio CAp há informações sobre isso. Polêmicas a parte, possivelmente elas não refutariam a sua tese.

O sincericídio de Maupeau, praticamente, é uma confissão de que o colégio é bom porque seleciona os melhores alunos. Bons são alunos e os professores do CAp, assim como ocorre com as escolas federais de uma maneira geral – que sempre apresentam bons resultados nos rankings do ENEM, IDEB e afins. Como manter, então, esses padrões de qualidade ao recepcionar alunos por sorteio ou por cotas? O CAp não teria competência para trabalhar com esses alunos, conforme admitiu o professor Ives de Maupeau? Seria necessário, então, uma reestruturação do próprio processo de seleção e qualificação dos professores daquela escola, além de mudanças substantivas no seu projeto político-pedagógico? Penso que o seu artigo, Pierre, suscitou muito mais perguntas do que respostas.

Um dos seus comentadores argumentou que, pelo menos desta vez, você se posicionou como alguém que está do lado de cá, da esquerda. Jogou, como já afirmamos, em favor daqueles segmentos de alunos que não têm acesso ao Colégio de Aplicação. Sugere, inclusive, que o critério “regional” poderia ser adotado como critério de seleção, como ocorre em toda a rede de ensino. Esse critério seria justo? Afinal, como alertava Bourdieu, numa sociedade de oportunidades tão desiguais, o “local” onde o indivíduo nasce também passa a ser um elemento diferenciador dos diabos. Bourdieu teve enorme dificuldade de se afirmar na academia parisiense porque era de origem provinciana. Nasceu no Vilarejo de Denguin. Dizem que, por pirraça, escrevia tão difícil. Na França, até no nome é comum acrescentar essa identidade do local de nascimento.Veja-se o caso do ex-presidente Valery Giscard D’Estaing. Não deve ser por acaso.Aliás, nada é por acaso, Pierre Lucena.

Crônicas do cotidiano: Joaquim Nabuco, um dândi apaixonado.






José Luiz Gomes

 
Não nos lembramos bem qual a motivação - possivelmente a produção de um novo artigo - mas algo nos levou a pesquisar a carreira diplomática de Joaquim Nabuco. Descobrimos algumas coisas curiosas, como as escaramuças existentes no interior da diplomacia brasileira, envolvendo o diplomata pernambucano e os seus desafetos naquele Instituto. Desafetos que, aliás, não foram poucos, ao longo de sua vida pública, tampouco ficaram circunscritos ao Itamaraty. O escritor José de Alencar foi um dos seus grandes desafetos, publicando o romance Senhora com o propósito de afrontá-lo. José de Alencar era do Partido Conservador, enquanto Nabuco era de uma família ligada ao Partido Liberal. Ambos não se entendiam muito bem. 

O romance Senhora é a realidade do romance entre Joaquim Nabuco e Eufrásia Teixeira Leite, transformado em ficção literária. Claro, com alguns ingredientes maliciosos, com o propósito de atingir o abolicionista pernambucano. O talento de Alencar, no entanto, disfarça isso tão bem que é possível ler a história sem se preocupar com as essas entrelinhas: Era rica e formosa. Duas opulências que se realçam como a flor em vaso de alabastro. Dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.

 Alguns fatos envolvendo Joaquim Nabuco somente abnegados pesquisadores - com acesso a fontes confiáveis - poderão vir a saber. Assim como acontece com os atores que se projetam em algum campo social, a sua biografia normalmente é construída "apagando-se" algumas informações desagradáveis, que poderiam por em dúvida essas reputações ilibadas. Isso faz parte de uma "estratégia de consagração".Muitas coisas já foram escritas - sobretudo por autores estrangeiros -acerca desse romance entre Joaquim Nabuco e Eufrásia Teixeira, que durou 14 anos, e nunca chegou ao altar. A produção brasileira sobre o assunto ainda é incipiente, mas vem novidade por aí.

Uma paixão avassaladora, como diriam os poetas. Dois desconhecidos embarcam num cruzeiro no Chimboraso e desembarcam noivos. Um romance recheado de idas e vindas, de atas e desatas e muitas especulações.  Eufrásia, ciumenta, não suportava os galanteios de Joaquim Nabuco às donzelas desavisadas. É uma daquelas histórias de amor típicas dos melhores romances de José de Alencar, não fosse pela tentativa de arranhar a imagem do abolicionista pernambucano, à qual o romance Senhora se propôs, embora, certamente, não tenha sido esse o único propósito de Alencar ao escrever aquele livro. O interessante é que, em alguns casos, as atitudes do próprio Joaquim Nabuco desmentiam cabalmente os seus críticos e os parentes de Eufrásia, acostumados com os chamados casamentos "dinásticos" para manter o patrimônio em família. 

Se dizia que Joaquim Nabuco desejava dar o golpe do baú, casando-se com uma jovem herdeira de uma grande fortuna, de uma tradicional família de Vassouras, no interior paulista. Joaquim era uma personalidade muito controversa, cujas contradições iam do campo político ao pessoal. Como explicar, por exemplo, sua vinculação ao Partido Liberal quando a família de Eufrásia era ligada ao Partido Conservador? Vai-se de entender um abolicionista convicto envolvido com uma família de escravocratas. O pai de Eufrásia chegou a possuir 150 escravos em sua fazenda de café. 

Para alguns historiadores, talvez resida aqui toda a preocupação de Joaquim Nabuco em não contrair núpcias com a bela Eufrásia. Os reais motivos vão ficar sempre no plano das especulações. Nem mesmo pela vasta correspondência trocada entre ambos, isso fica patenteado. Joaquim nunca demonstrou muito apreço pelo dinheiro, o que no sugerem outras motivações para o envolvimento com Eufrásia.

Por falar em correspondência, de acordo com Eneida Queiroz - em texto publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional - quando romperam o romance, Joaquim Nabuco teria exigido de Eufrásia a devolução das cartas de amor, no que não foi atendido. Queimou-as ou teria sido enterrada com elas. Já as cartas de Eufrásia para Nabuco, segundo algumas informações, poderiam estar no acervo da Fundação Joaquim Nabuco, no bairro de Apipucos, em Recife. 

Uma das principais explicações para o não casamento entre ambos estaria relacionado ao fato de que Joaquim Nabuco não desejasse arranhar a sua imagem de abolicionista. Essa é a hipótese mais provável, levantada por todos biógrafos do escritor pernambucano. Num desses momentos de apertos econômicos, endividado, Joaquim Nabuco recusou a oferta de dinheiro de Eufrásia para saldar algumas dívidas, o que teria determinado o rompimento definitivo entre ambos. 
 
Com a morte de Eufrásia, como já dissemos, pouco afeito às finanças, mas um dândi incorrigível, Joaquim Nabuco, literalmente, torrou toda a fortuna da falecida. Charmeir dos salões, "Quincas, o Belo", não encontraria muitas dificuldades para gastar a grana.No livro que será lançado pela escritora Ana Maria Machado, Um Mapa Todo Seu, possivelmente os leitores saberão mais detalhes sobre esse relacionamento. O livro promete.
  

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

A polêmica em torno da mudança do processo seletivo do Colégio de Aplicação da UFPE.


 
 

José Luiz Gomes


A primeira ressalva a ser feita é que divirjo politicamente do senhor Pierre Lucena, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Mas, neste artigo em particular - como bem observou um comentador - parece que ele chutou a bola com o pé esquerdo, se colocando ao lado daqueles inúmeros jovens que têm seu acesso interditado ao Colégio de Aplicação da UFPE. Ainda estamos sob o efeito do artigo: "Sorteio de vagas no Colégio de Aplicação é mais justo que vestibular para crianças de 10 anos". O artigo de Pierre Lucena entra no debate acerca das possibilidades de mudanças no processo seletivo do Colégio de Aplicação da UFPE. 

Não faz muito tempo, depois dos bons resultados obtidos por aquele colégio nos indicadores de educação do país, publicamos um longo artigo em nosso blog sobre o assunto. Desde então, sempre movido por uma perspectiva republicana,já nos colocava como um frustrado defensor da meritocracia. Em linhas gerais, a meritocracia é o resultado de oportunidades desiguais, salvo as raríssimas exceções, que apenas confirmam a regra. 

Se há alguma ponderação a ser feita em favor dos seus defensores, apenas o fato de que alguns indivíduos não "aproveitam" bem essas oportunidades quando lhes são oferecidas e há aqueles que fazem um esforço tremendo para superar suas adversidades, comendo o mingau quente pelas beiradas, mas não passam muito disso não. A "criação" de oportunidades é uma variável que foge ao controle dos indivíduos. Elas devem ser ofertadas pela estrutura social. O resto é conversa para boi dormir. Um teórico que tratou muito bem essa questão foi o sociólogo francês Pierre Bourdieu, que ficaria conhecido como o sociólogo das desigualdades. 

O tema proposto por Pierre é bastante polêmico, nos contingenciando a dividi-los em parte, consoante o debate que se seguiu no seu blog Acertos de Contas. Confesso que também considero temerário submeter crianças de apenas 10 anos àquela processo seletivo, quando apenas algumas delas poderão ser bem-sucedidas no final. Há poucas vagas e passam apenas os "melhores preparados", consoante inúmeros "filtros", exaustivamente discutidos no texto. Todos esses "filtros", naturalmente, são impostos pelas contingências de uma sociedade hierarquizada e profundamente desigual desde a sua origem, forjada no trabalho escravo. 

Na realidade, Pierre, apesar de estar "atrelado" ao Centro de Educação da UFPE, estatutariamente o CAp teria sido pensado não apenas como um laboratório do curso de Pedagogia, mas, sobretudo das licenciaturas da UFPE. Apesar de pertencer a outro Centro - Centro de Ciências Sociais Aplicadas - na condição de professor da UFPE, penso que você tem credenciais para tratar deste assunto sim, apesar das contraposições dos colegas professores. Penso que isso ainda refletem as disputas internas naquela Instituição. Claro que você tem razão ao observar a "autonomia" forjada em torno desses equipamentos, criados para dar suporte à formação dos alun@s de determinados departamentos, como a Rádio e TV Universitária, assim com o próprio CAp.

Em seu artigo, você citou o economista Cláudio de Moura e Castro - cujo reconhecimento nesta área de educação parece fora de questionamentos - a despeito do viés conservador. Eu vou citar alguém mais próximo. Alguém que já foi diretor do Centro da Educação da UFPE. O professor Yves de Maupeau. Ainda hoje lembro daquela figura esguia, chegando na UFPE em sua indefectível bicicleta. Lembramos, ainda, de uma longa conversa mantido com ele, em seu gabinete, onde prontificou-se em ajudar-nos num desses momentos adversos que a gente enfrenta pela vida. Ives era uma pessoa progressista, mas, naquele encontro, cometeu o sincericídio de afirmar que o Colégio de Aplicação não saberia trabalhar com alunos provenientes de estratos sociais mais empobrecidos, com deficiências graves em sua formação escolar. Talvez desejasse isso, mas antevia as dificuldades. 

Um dos seus críticos, Pierre, questionou de onde você tirou a conclusão de que os alunos fragilizados social e economicamente são raros no CAp. Como poderias ter chegado a essa conclusão sem um levantamento sobre a origem social daqueles alunos. Penso que no próprio CAp há informações sobre isso. Polêmicas a parte, possivelmente elas não refutariam a sua tese.

O sincericídio de Maupeau, praticamente, é uma confissão de que o colégio é bom porque seleciona os melhores alunos. Bons são alunos e os professores do CAp, assim como ocorre com as escolas federais de uma maneira geral - que sempre apresentam bons resultados nos rankings do ENEM, IDEB e afins. Como manter, então, esses padrões de qualidade ao recepcionar alunos por sorteio ou por cotas? O CAp não teria competência para trabalhar com esses alunos, conforme admitiu o professor Ives de Maupeau? Seria necessário, então, uma reestruturação do próprio processo de seleção e qualificação dos professores daquela escola, além de mudanças substantivas no seu projeto político-pedagógico? Penso que o seu artigo, Pierre, suscitou muito mais perguntas do que respostas. 

Um dos seus comentadores argumentou que, pelo menos desta vez, você se posicionou como alguém que está do lado de cá, da esquerda. Jogou, como já afirmamos, em favor daqueles segmentos de alunos que não têm acesso ao Colégio de Aplicação. Sugere, inclusive, que o critério "regional" poderia ser adotado como critério de seleção, como ocorre em toda a rede de ensino. Esse critério seria justo? Afinal, como alertava Bourdieu, numa sociedade de oportunidades tão desiguais, o "local" onde o indivíduo nasce também passa a ser um elemento diferenciador dos diabos. Bourdieu teve enorme dificuldade de se afirmar na academia parisiense porque era de origem provinciana. Nasceu no Vilarejo de Denguin. Dizem que, por pirraça, escrevia tão difícil. Na França, até no nome é comum acrescentar essa identidade do local de nascimento.Veja-se o caso do ex-presidente Valery Giscard D'Estaing. Não deve ser por acaso.Aliás, nada é por acaso, Pierre Lucena.

P.S do Realpolitik: De acordo com o INEP, as dez melhores escolas públicas do país estão na região Nordeste. Não surpreenderia se o CAp da UFPE aparecesse nessa listagem. Muita coisa já foi dita sobre o papel da escola numa sociedade capitalista. Um desses autores, inclusive, por outras motivações, está citado aqui no texto, como é o caso do crítico-reprodutivista francês Pierre Bourdieu. No plano de uma sociedade "naturalmente" desigual, é muito complexo se pensar na viabilidade da oferta de uma educação de qualidade social, facultada a todos, sem distinção de qualquer natureza. Entre os critérios seletivos elencados acima, talvez as "cotas" seja o que mais se aproxima deste ideal. Já no final do texto, a algumas referências ao critério da regionalização ou da localização geográfica do CAp, que poderia, neste caso, destinar-se a atender os alun@s dos bairros da Várzea, Cordeiro, Engenho do Meio. Ao se adotar tal critério, a pergunta que se faz é: quando é que poderíamos ter uma escola com as características do CAp encravada em bairros como a Ilha de Deus, o Coque ou o Alto da Foice?