pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: José Álvaro Moisés: Os partidos estão colapsando?
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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

José Álvaro Moisés: Os partidos estão colapsando?


OS PARTIDOS ESTÃO COLAPSANDO?

José Álvaro Moisés

Pesquisa recente do Ibope sobre a confiança dos brasileiros em instituições democráticas mostrou que partidos são as instituições mais desacreditadas pela população. Mais de 80% dos entrevistados afirmaram não confiar em partidos. O índice repete o que minhas pesquisas de 2006 e 2014 mostraram: a desconfiança chegou a 81 e 84% respectivamente. E perguntados se a democracia pode funcionar sem partidos, mais de 30% responderam sim em 2006, mas o percentual subiu para 45% em 2014. Quase metade da população brasileira parece estar deixando de ver os partidos como essenciais ao regime democrático.

O problema ganhou as ruas nos protestos de 2013. Grande parte dos manifestantes repudiou a participação de partidos ou rejeitou seu papel de representação. Não foi suficiente, contudo, para levar os líderes partidários a enfrentar a situação. E Operação Lava Jato está revelando aspectos mais complexos e profundos do problema: não é só o caixa dois das campanhas eleitorais, mas a existência de um poderoso esquema de desvio de recursos para partidos, dirigentes de empresas estatais e personagens emblemáticas como o ex-ministro José Dirceu, do PT. Ou seja, mesmo partidos de esquerda abandonaram a res publica como objetivo da democracia.

Alguns analistas sustentam que como ocorreu com a Democracia Cristã, o PSI e o Liberal na Itália, em consequência da operação Mãos Limpas - que nos anos 90 lançou luz sobre a gigantesca rede de corrupção que dominava a vida política e econômica daquele país - o sistema partidário brasileiro também pode colapsar. A hipótese traduz avaliação negativa sobre a mais importante operação de enfrentamento da corrupção realizada no Brasil, e prenuncia efeitos devastadores para o sistema político; no fundo, questiona se a Operação Lava Jato deve continuar, sem admitir que o abuso de poder dos partidos de governo compromete a qualidade da democracia.

Os partidos vivem o seu pior momento desde o fim do processo de democratização. Após mobilizar corações e mentes para o resgate da dignidade da política, o PT traiu seus princípios, aceitou a cultura dos mal feitos e, sem conseguir se explicar, perde a confiança de eleitores e militantes. Opondo-se a parte das políticas de ajuste do seu governo, disputa posições de poder com seu principal aliado, mas sofre sucessivas derrotas no Congresso sem que o PMDB abra mão de cargos no governo. A síndrome afeta toda a base aliada que, sem coerência programática e de costas para a sociedade, busca benefícios sem dar contrapartida. A oposição tampouco está melhor, PSDB, PPS e DEM sem definir rumos claros, oscilam entre o impeachment de Dilma, eleições fora de regras constitucionais e apoio a aumentos de gastos públicos que contrariam suas posições programáticas. Os sinais são confusos, não oferecem alternativas e indicam irracionalidade no enfrentamento da crise.

O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e a constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade do país no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância para sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não têm preferência partidária e não querem se filiar. O que conta não é o que os partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os dirigentes – que em muitos casos se perpetuam nas direções - conquistem ou mantenham posições de poder.

Mas posições de poder para que? A explicação está faltando para os eleitores e para a sociedade. Alguns acham que o quadro é normal, partidos existem para conquistar o poder e, se conseguem isso, importa pouco se sinalizam ou não algo de substantivo para os eleitores; é uma opção pragmática, autojustificada, que contamina todo o espectro partidário: já tomou conta do PT, confirma o que faz o PMDB, e avança entre partidos de oposição. Mas segundo Tarso Genro, ex-governador gaúcho, no caso do PT o ciclo está se encerrando; para Frei Beto, amigo de Lula, a busca pura e simples do poder condenou o PT, e para o filósofo José Arthur Giannotti, simpatizante do PSDB, para além de viabilizar as carreiras políticas individuais de seus líderes, o PSDB precisa provar que tem coerência com o seu programa socialdemocrata.
Os partidos têm, portanto, problemas que ultrapassam as distorções reveladas pela Lava Jato. Como ocorreu na Itália dos anos 90, não será a fragilização ou eliminação de regras e procedimentos de fiscalização e o controle que os salvarão. Partidos têm o monopólio da representação dos cidadãos e, por isso, se o contingente de eleitores que os desqualifica cresce, algo está errado. Representar significa estar no lugar de e, para isso, os representantes precisam ouvir, se comunicar e se constituir em referência para as escolhas dos eleitores.

Evitar o colapso dos partidos só depende da capacidade de seus lideres de reconhecer a natureza da crise e reagir antes que seja tarde demais. Eles precisam dizer com clareza como pretendem reconquistar a confiança dos eleitores e explicar, por exemplo, por que os partidos não consultam filiados e simpatizantes para a escolha de candidatos e programas. Precisam, sobretudo, assumir claro compromisso anticorrupção para recuperar os valores republicanos. Mas é ilusório pensar que isso vale só para o PT e a situação, a oposição também precisa se comprometer com o aprofundamento da democracia brasileira. E a solução não está em impedir a continuação da Lava Jato, mas em apoiá-la.


José Álvaro Moisés, da USP, é autor do livro DESCONFIANÇA POLÍTICA E SEUS IMPACTOS NA QUALIDADE DA DEMOCRACIA.

(Publicado originalmente no Estadão)

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