pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Crônicas do cotidiano: O "desnudamento" dos operários da Companhia de Tecidos Paulista.
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sábado, 1 de agosto de 2015

Crônicas do cotidiano: O "desnudamento" dos operários da Companhia de Tecidos Paulista.





José Luiz Gomes


Estamos lendo o livro do professor José Sérgio Leite Lopes, "A Tecelagem dos Conflitos de Classe na Cidade das Chaminés", uma tese de doutoramento sobre as relações sociais de produção na Companhia de Tecidos Paulista, na cidade do mesmo nome, localizada na região metropolitana do Recife. O trabalho é o resultado de algumas pesquisas realizadas pelo professor, e outros pesquisadores, acerca das condições de trabalho nas fábricas têxteis mantidas pelo Grupo Lundgren. Não fosse suficiente o interesse do trabalho de José Sérgio, ao abordar o "sistema paulista" - algo que nos estimulou bastante, em razão de um trabalho que estamos produzindo sobre a vida nas vilas operárias - José Sérgio ainda dedicou parte de suas pesquisas aos operários canavieiros do Estado, muitos deles aliciados para o trabalho têxtil nas fábricas da família Lundgren. 

Quanto mais nos aprofundamos nesses estudos, mas descobrimos fatos curiosíssimos, como a engrenagem montada no processo de recrutamento de funcionários para a tecelagem. Curioso não é o adjetivo mais adequado. Pavoroso e assustador se aplicam melhor à situação descrita por José Sérgio. Através de suas lojas de varejo de tecidos espalhados por todo o Estado, a Companhia de Tecidos Paulista conhecia a realidade social e econômica de alguns vilarejos do interior, locais que se constituíam como alvos preferenciais para o início do processo de recrutamento. Através dos seus agentes, o pessoal era previamente selecionado, envolvendo até mesmo algumas situações de clandestinidade, ou seja, algumas dessas famílias literalmente fugiam das condições precárias de trabalho nas usinas dos Estados de Pernambuco e da Paraíba. 

Até geograficamente, era possível delimitar a área de abrangência desse recrutamento inicial. Esses trabalhadores eram literalmente "desnudados", saíam de uma situação precária para entrar numa outra, quiçá, ainda pior. Eram transportados num ônibus com o nome de sopa, um veículo que não oferecia o mínimo de dignidade aos seus passageiros. Ao chegarem na cidade de Paulista, cumpria-se o ciclo das instituições totais, bem ao estilo descrito por Goffman e Foucault. Separados por sexo, em alojamentos ou "depósitos", eram mantidos numa espécie de quarentena, esperando que sua sorte fosse determinada pelo Coronel Frederico Lundgren. Entrevistada pelo autor do trabalho, uma cidadã descreve bem aquela situação, ao se referir ao momento da alimentação: Não tinha refeitório não. A gente comia até na mão mesmo, sentado por riba das camas. A comida era própria nas mãos, era assim mesmo. Era assim como um hospital mesmo.

Sérgio atenta para o cumprimento de um rito - para outros, possivelmente Pierre Bourdieu, uma "teatralização da dominação" - onde eram consolidadas as relações de poder. A começar pela Jardim do Coronel, ou a Casa Grande, mantida pela família no centro da cidade, numa arquitetura milimetricamente planejada com o objetivo de lhes facultar observar todo o andamento dos trabalhos na CTP. Era aqui, e não nas dependências ou escritório da Companhia de Tecidos, onde os operários eram selecionados. Impressionante como essa arquitetura se reproduz em todo conglomerado de indústrias têxteis que se instalaram em Pernambuco. A seleção era feita pelo próprio coronel, pessoalmente, que, a partir da textura das mãos dos futuros operários(e os olhos) determinava o local onde eles seriam locados. "este vai para as caldeiras"; "este aqui vai para o escritório"; "este será vigia". O controle sobre a vida dos operários era onipresente, absoluto. Além do trabalho, os operários recebiam uma chave para residirem numa das casas da vila operária, que, no seu apogeu, chegou a ter 06 mil casas, possivelmente a maior vila operária da América Latina. Um vínculo orgânico, de absoluta dependência, centrado no binômio fábrica/vila operária. 

Alimentos eram adquiridos em armazéns também mantidos pela companhia. parafraseando Gilberto Freyre, ao se referir aos senhores de engenhos do Estado, no livro Nordeste, na época do apogeu do ciclo da cana-de-açúcar, os Lundgrens eram donos das terras, das águas, das matas, das máquinas, das casas, do porto, do aeroporto e das melhores mulheres. Havia uma indisposição política entre Agamenon Magalhães e a família Lundgren. A princípio, em alguns momentos, o grupo de Agamenon e da família Lundgren apoiaram candidaturas distintas no Estado, o que talvez explique, em parte, essas indisposições. Essas divergências se transformariam em ódio, nutrido pelo "China Gordo" em relação à família Lundgren. A matriz disso penso ser mesmo uma idiossincrasia proporcionada pela relações de poder de ambos. Agamenon era o "carrasco de Vargas" no Estado. Em Paulista, os Lundgrens mandavam em tudo, possuindo, inclusive milícia armada e uma grande quantidade de armas. Era um "Estado Paralelo", de porteiras fechadas, onde a lei que prevalecia era a lei da família Lundgren. 

O jornalista Sebastião de Neri comenta que Agamenon pediu o auxílio de um dos filhos - que estudava na Faculdade de Direito do Recife - no sentido de escolher um promotor para aquela cidade. Queria o melhor aluno da turma e um cabra de coragem, de sangue nos olhos, disposto a impor a Lei naquele feudo familiar. Não sabemos se o coitado do promotor foi bem-sucedido em sua empreitada. Mais adiante, quando se pleiteava a emancipação do distrito, que pertencia à cidade de Olinda, o China Gordo ainda tirou uma casquina com a situação. Vamos fazer primeiro uma reforma agrária nas terras dos Lundgrens. Como vamos emancipar uma cidade cujas terras pertencem a uma única família?   

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