pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Crônicas do cotidiano: O outono do patriarcado rural nordestino.
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sábado, 15 de agosto de 2015

Crônicas do cotidiano: O outono do patriarcado rural nordestino.







José Luiz Gomes

Os capítulos finais do livro de Diego Fernandes Freire, Contando o Passado, Tecendo a Saudade, são dedicados à decadência dos tradicionais engenhos banguês na região Nordeste. Dois romances do escritor José Lins do Rego, Fogo Morto e Banguê, são tomados como referências. São relatos chocantes, de caráter saudosista, onde o patriarcado rural, antes tão prepotente e onipresente, começa a emitir os sinais de um outono, sem retorno. Apesar de pertencer a uma família ligada à aristocracia açucareira paraibana, o escritor José Lins nunca demonstrou a menor vocação para o trabalho no eito. Enquanto os engenhos entravam em ruínas, nos momentos que descreve que passou com a família, sua lida diária consistia em passar horas e horas deitados numa rede, ruminando, contemplando os sinais de fragilidade do coronel José Paulino, ainda batendo com o cacete no piso do alpendre da Casa Grande do Engenho Corredor, mas sem o vigor de outrora. Sem aquele vigor dos 18 anos, como diriam as assanhadas. 

Ainda em Menino de Engenho, seu livro de estreia, José Lins do Rego se pega refletindo, sobre a sua impotência e absoluta incapacidade de reverter aquela situação: Aqui, deitado numa rede, dizia ele, pensando no futuro do Santa Rosa. Certa vez, para fazer uma média com o avô José Paulino, Carlinhos, acordou disposto, pegou o cavalo e foi, sozinho, inspecionar o trabalho na bagaceira. Voltou todo orgulhoso e, apenas numa única pergunta, o coronel José Paulino lhes fez ver a sua completa inaptidão para o trabalho no campo: Quantos homens havia no eito. Ele, naturalmente, não soube responder. 

Numa viagem telúrica, os dois meninos de engenho, José Lins e Gilberto Freyre, ainda realizariam uma longa volta ao passado pelas terras dos parentes do escritor, em solo paraibano. Tratou-se, na realidade, de uma viagem onde ambos remontaram ao seu passado, cheio de saudades e tradições. Essa era, na realidade, a praia do sociólogo Gilberto Freyre. Alguns biógrafos do autor de Casa Grande & Senzala apontam a compra do Solar de Apipucos, um casarão colonial localizado no bairro do mesmo nome, como uma forma de se sentir, ele próprio, um senhor de engenho. Gilberto passava suas férias num engenho de um tio, em São Severino dos Ramos. Sua identificação com a aristocracia açucareira do Estado era inegável. 

Ali, naquela solar imponente, com a vegetação preservada, de pitangas roxas - como diria um colega - Freyre costumava receber os amigos com a calorosa recepção de um famoso licor preparado com o fruto. A receita era do próprio escritor, hoje reproduzida pelos familiares. A única exceção deve ter sido para o ex-presidente da República, Jânio Quadros, que, apesar de ter chegado no Solar nas primeiras horas da manhã, para visitá-lo, já estaria "mamado". Nunca entendi muito bem porque o cronista Joel Silveira considerou esse ritual de Gilberto Freyre  como o mais esquisito entre os costumes dos políticos brasileiros. Muito gente boa, entre políticos e intelectuais, experimentaram esse licor e saíram tecendo muitos elogios ao sabor, sem que esse hábito pudesse ser considerado "bizarro". 

Nos relatos de ambos os escritores sobre este tema, é visível um sentimento de melancolia e desapontamento. Um leitor mais atento deve lembrar-se que, assim que chegou no Santa Rosa, José Lins passou horas a fio encantado com o maquinário do engenho moendo a cana para a fabricação do açúcar.Sua descrição é uma das mais emocionantes do Menino de Engenho. Todas as crianças passam por algum momento de "encantamento" na vida, como na letra de Vivências, da Banda de Pau e Corda: O canto do ferreiro, a casa do doutor. Na nossa inocente infância, na cidade de Paulista, um desses "encantamentos" era observar as águas turvas da "levada da tinta", um riachozinho de águas sempre coloridas, provocadas pela poluição da tinturaria da Companhia de Tecidos Paulista. Ficávamos ali, horas a fio, depois das aulas, um monte de guris, sem noção do perigo, tentando acertar a cor da água na próxima enxurrada. 

A convite da prefeita local, uma leitora do blog, tive a oportunidade de conhecer o Engenho Corredor ainda na época da floração das cajaranas, entre junho e julho. Isso só pode ter sido de propósito, prefeita. O Engenho fica a poucos quilômetros do centro da cidade de Pilar. Por essa época, os litígios judiciais entre a família e o poder público já estariam sendo equacionados e tivemos a oportunidade de conversar com os familiares do escritor, que fizeram questão de mostrar, ainda, o buraco feito no piso pelo cacete do velho coronel José Paulino. Assim como descrito no Menino de Engenho, ainda foi possível sentir o cheiro das cajaranas em flor, de suas frondosas árvores, naquele passeio com as tias, realizadas por Carlinhos, numa manhã fria, característica desses meses do ano.   

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