pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: Michel Zaidan Filho: O curriculum mortis - a lição de vida (sobre a morte de Leandro Konder)
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quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Michel Zaidan Filho: O curriculum mortis - a lição de vida (sobre a morte de Leandro Konder)




Em plena sessão de abertura do 7o Encontro dos grupos de pesquisa sobre Marx e o Marxismo, ontem, na Universidade Federal de Pernambuco, recebemos com muita tristeza a notícia da morte do filósofo, escritor, crítico e historiador Lenadro Konder. Filho de pai marxista e militante do PCB, Konder desenvolveu - ele próprio - a sua aventura biográfica como pensador e militante comunista. Tinha um talento nato para  a divulgação de temas e assuntos complexos e difíceis. Foi um pioneiro na introdução e abordagem de questões teóricas e filosóficas, como a alienação, a estética marxista, a ontologia social, a obra de Franz Kafka, Bertold Brecht, o pensamento de Walter Benjamin, entre outros temas.
Foi um autor que contribuiu muito para a abertura critica da obra de Marx e o Marxismo entre nós. Obras como: O Marxismo na Batalha das Idéias, A Filosofia da Práxis no Limiar do Século XXI, seus artigos e ensaios teóricos publicados nas revistas TEMAS, de Ciências Humanas, PRESENÇA, Civilização Brasileira influíram poderosamente sobre o necessário arejamento da mentalidade socialista da minha geração. Mas queria dedicar mais atenção a duas obras que foram objeto de muito debate e controvérsia nas esquerdas.
O luminoso ensaio "O curriculum mortis": a necessidade de reabilitação da autocrítica nas esquerdas, publicado na revista PRESENÇA e o livro A Recepção das Idéias de Marx no Brasil.
O ensaio é um dos mais belos e profundos exemplos de humildade revolucionária, que se conhece. Leandro Konder nunca foi um ativista radical; sempre se definiu como um reformista democrático, embora no final da vida tenha abandonado o PT pelo PSOL. Mas era, antes de tudo um cavalheiro, um ser humano gentil e cortes, mesmo com os que dissentiam de suas idéias. Neste artigo, Konder fala da necessidade de se escrever um curriculum mortis, em lugar do conhecido curriculum vitae. Dizia ele, o CC.VV. é a ideologia do  triunfalismo dos vencedores olímpicos, os que nunca duvidam, nunca hesitam ou erram. Estão sempre certos e com a verdade. O CC.MM.  seria o contrário: o reconhecimento de nossas derrotas, nossos erros, nossas dúvidas e hesitações. Então, a esquerda (e o ser humano em geral) precisava fazer, de vez em quando, um curriculum mortis ou reabilitar a necessidade de uma autocrítica sincera, verdadeira. Não haveria, assim, nada pior do que a consciência dogmática (e acrítica) de quem acha que nunca errou e sempre fez a escolha certa. Este pensamento dogmático seria muito perigoso para o pensamento de esquerda, que deveria assim recuperar a saudável atitude da humildade revolucionária de reconhecer falhas, fraquezas e erros. Quem não se lembra, aqui, de Fernando Pessoa, em "Poema em linha reta"?
0 outro ponto que gostaria de destacar, nessa homenagem, é o livro que  reproduz, na íntegra, a tese de Doutorado de Konder, A Derrota da Dialética. Tive o privilégio de acompanhar o desenvolvimento desse trabalho, pois escrevia uma tese semelhante sobre o  mesmo tema: a formação do pensamento marxista brasileiro, sobretudo  durante a década de 20 (0 PCB e a Internacional Comunista). Troquei muitas cartas com o autor sobre a interpretação do significado e valor daquele marxismo originário. Nem sempre concordando comigo, o Konder reconhecia as minhas razões e se dispôs a fazer a apresentação do livro. Para mim, era uma honra, apesar das discordâncias. Mas a sua generosidade intelectual era tão grande que compensava qualquer discordância ou desacordo.
No ano que passou, dediquei-lhe a atenção - num pequeno artigo - sobre "o Lênin que poderia ter acertado", uma polêmica cordial e fraterna sobre as suas interpretações acerca da história do marxismo brasileiro. Este ano, elaborando uma tese de titularidade sobre a formação do primeiro núcleo dirigente do PCB, voltei a ele, discutindo suas teses e interpretações e reafirmando velhos pontos de vista.infelizmente, a doença degenerativa  que o afligiu  o retirou do nosso convívio intelectual.

Morre o ser humano, mas fica um legado de tolerância, gentileza, finura - que está se tornando cada vez mais raro no mundo.

Michel Zaidan Filho é historiador, filósofo, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco.

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