pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: A origem oligárquica de Eduardo Campos
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domingo, 8 de junho de 2014

A origem oligárquica de Eduardo Campos

Por Severino Fernandes
A análise do sociólogo Adalberto Moreira é perfeita. Ele só se equivoca quando fala das origens oligárquicas de Eduardo Campos (PSB).
Eduardo é neto do falecido ex-governador (de Pernambuco) Miguel Arraes de Alencar. Arraes e Pelópidas da Silveira (ex-prefeito do Recife,também já falecido) lideraram a chamada “Frente do Recife”, através da qual (na década de 1950) as esquerdas chegaram à Prefeitura do Recife em aliança com setores liberais ou conservadores moderados, mas com prevalência de uma visão social dos problemas a enfrentar como governantes e de políticas públicas para solucioná-los ou pelo menos minimizá-los.
Essa frente ampliou-se e se transformou na “Frente Popular de Pernambuco”. Uma das primeiras e mais bem sucedidas alianças de centro-esquerda que acabou chegando ao Governo de Pernambuco (em 1962) com a vitória de Miguel Arraes (PTB) sobre o candidato da direita, João Cleofas (UDN), apoiado pelos poderosos usineiros da Zona da Mata Pernambucana.
Arraes, advogado e funcionário de carreira do extinto IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) iniciou sua carreira política como secretário da Fazenda do governo Agamenon Magalhães (PSD), que apesar de ser um político conservador (à direita) fez um governo de viés social, ao estilo getulista (construindo vilas operárias no Programa Social contra o Mocambo, para operários de fábricas da Região Metropolitana do Recife, porém sem incomodar os usineiros de açúcar e sua tradicional forma semi-feudal de conduzir seus negócios).
Acostumados a tratar seus trabalhadores rurais (cortadores de cana) com extrema brutalidade e incomum desumanidade, os poderosos usineiros se viram fortemente contrariados com a chegada de Arraes ao governo (com apoio de comunistas, socialistas, cristãos progressistas  e liberais da direita moderada).
No Sertão e no Agreste, onde não menos poderosos fazendeiros também comandavam com mão de ferro suas propriedades e onde os mais fortes economicamente via de regra se tornavam os coronéis (ou chefes políticos) de municípios de pequeno e grande porte, tampouco se agradaram com os ventos liberalizantes que a vitória de Arraes representava.
Arraes seguiu à risca seu programa social de governo, que previa reformas em benefício dos trabalhadores rurais, que prometia tirá-los da condição de semi-escravidão em que encontravam. Sob seu governo foi assinado o histórico e emblemático “Acordo do Campo”, em que os “garbosos” e arrogantes usineiros e senhores de engenho, a contragosto sentaram-se lado a lado com as lideranças dos trabalhadores rurais e tiveram que pagar salário mínimo e garantir direitos até então negados a esses camponeses.
Antes de Arraes era comum as questões sociais serem tratadas como caso de polícia em Pernambuco. O livro do ex-deputado estadual e promotor de Justiça Paulo Cavalcanti narra como, por exemplo, no município de Goiana, era comum trabalhadores rurais ligados aos sindicatos rurais serem perseguidos, torturados e em alguns casos até assassinados por usineiros e senhores de engenho da região canavieira.
Muitos desses trabalhadores violentados em sessões de tortura eram “socorridos”, já mortos, em unidades hospitalares públicas e posteriormente encaminhados para o necrotério do Cemitério Público de Goiana com papéis amarrados a um dos dedos dos seus pés, dando conta da  suposta causa da morte: “morte por problemas de baço”.
Nada era investigado, porque as lideranças políticas e as forças policiais, em geral, serviam como aparelho paramilitar dos usineiros e senhores de engenho. E usavam dessa condição para perseguir trabalhadores sindicalizados que se organizassem para reivindicar direitos trabalhistas.
Também era comum os trabalhadores rurais e cortadores de cana das usinas e engenhos de açúcar serem obrigados a comprar nos chamados “barracões de usina” os gêneros de primeira necessidade que precisavam para se alimentar e sobreviver. O problema é que esses produtos eram vendidos a preços extorsivos, muitas vezes duas ou três vezes mais caros em relação ao preço em que eram vendidos nos “armazéns de secos e molhados” e nos mercados públicos das cidades da Zona da Mata.
O que ocorria é que como os produtos eram caros e o salário dos trabalhadores muito baixos, em geral abaixo do mínimo, eles acabavam muitas vezes ao final do mês sem receber salários e ainda por cima devendo a usineiros e senhores de engenho. Dessa forma os seus patrões além de burlarem a legislação trabalhistas ainda os prendiam pela dívida, como se fossem semi-escravos ou servos da gleba do período feudal europeu.
Pouco antes da posse de Arraes, e no apagar das luzes do governo (do também usineiro) Cid Sampaio (PSD) ocorreu o  chamado “Massacre da Usina Estreliana”, no município de Ribeirão, quando o  usineiro José Lopes da Siqueira Santos, proprietário da Usina Estreliana, chacinou com rajadas de metralhadora cinco trabalhadores rurais que foram exigir pagamento de diferença de salários, porque estavam com suas famílias passando fome.
No governo Arraes sempre tentou intermediar acordos trabalhistas e determinou que a polícia fosse retirada das usinas, fazendas e engenhos. Que deixasse de servir como força paramilitar à serviço das elites e dos chefetes políticos dos municípios do interior pernambucano.
Os trabalhadores passaram a receber salários melhores. E o comércio dos municípios polo da Zona da Mata melhorou sensivelmente, vendendo radinhos e pilha, relógios e móveis que os  trabalhadores antes não podiam comprar.
Mas os “coronéis” do interior e a elite canavieira nunca perdoou Arraes. E esses segmentos de direita foram a ponta de lança civil do golpe militar que depôs Arraes em 1964. Preso e deposto pelos militares, e logo após um período de prisão no Arquipélago de Fernando de Noronha, Arraes seguiu para o exílio (parte na França, parte na Argélia) para garantir sua própria segurança e a segurança de sua família.
Voltou em 1979 e recebido por uma multidão no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, e posteriormente em um comício no Largo da Feira do bairro de Santo Amaro, no centro do Recife, Arraes disse que estava voltando “não para ser bonzinho para os militares”, mas para continuar sua luta em favor da unidade e libertação do povo brasileiro.
Miguel Arraes de Alencar, que tomou posse em 1963 e foi apeado do governo em 1964, voltou a governar Pernambuco em outras duas oportunidades (1987 a 1990 e 1995 a 1998). Sempre investindo em programas sociais: como o Chapéu de Palha (voltado aos cortadores de cana, vítimas do desemprego sazonal da Zona Mata – e similar ao atual “Bolsa Família”); e como os programas de eletrificação rural e de perfuração de poços artesianos, que levou água e energia elétrica para pequenos municípios e para quase 90% das áreas rurais do interior pernambucano.
Seus programas sociais ajudaram a reduzir as profundas desigualdades sociais no campo e nas pequenas e médias cidades de Pernambuco. Já que em Recife e municípios da Região Metropolitana da capital pernambucana os movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores garantiam outros avanços.
Foi dessa linhagem política que surgiu a liderança de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes. E o único do clã Arraes que manifestou interesse em enveredar pela política partidária.
Eduardo (ainda como estudante de Economia) participou do movimento estudantil na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na década de 1980. E no segundo governo do avô (1987-1990)foi seu oficial de gabinete.
No terceiro governo de Miguel Arraes (1995-1998), já com experiência parlamentar acumulada como deputado estadual e deputado federal, Eduardo Campos foi nomeado para secretário da Fazenda. E nesse posto foi fiador do polêmico episódio dos “precatórios” que custou a derrota eleitoral de Miguel Arraes (em 1998) para o ex-aliado Jarbas Vasconcelos (PMDB), capitaneando uma aliança de centro-direita, com PFL  e PSDB em seu palanque.
Apesar do baque eleitoral, Arraes ainda chegou a dar a volta por cima, elegendo-se como um dos deputados federais mais votados, pelo PSB, em 2002, praticamente sem fazer campanha, e apenas fazendo pequenas caminhadas em feiras livres das cidades da Zona da Mata, Agreste e Sertão. Eduardo também se elegeu deputado federal na mesma eleição. E depois foi nomeado por Lula para ministro da Ciência e Tecnologia.
Já ex-ministro, Eduardo lançou-se ao Governo de Pernambuco em 2006, derrotando Mendonça Filho (PFL), vice de Jarbas Vasconcelos, e vingando a derrota eleitoral do avô em 1998.
No governo, embora mantendo alguns programas sociais do avô, como o Chapéu de Palha, a pretexto de “modernizar” o “arraesismo” Eduardo adotou experiências privadas de gestão. O que o aproximou do meio empresarial e lhe rendeu críticas dos antigos aliados dos sindicatos rurais e dos movimentos sociais contra essa sua lógica, tida como conservadora (de direita), de “choque de gestão” e “governo de resultados gerenciais”.
Embora aliado do “lulismo”, Eduardo rompe aliança com o PT nas eleições para a Prefeitura do Recife. Profundamente rachado o PT lança o senador Humberto Costa para a sucessão do prefeito João da Costa (que não conseguiu encaminhar seu próprio processo de reeleição dentro do PT). E aproveitando dessa divisão o governador Eduardo Campos acabou emplacando seu aliado Geraldo Júlio (PSB), elegendo-o prefeito do Recife.
A patranha fez Eduardo Campos sonhar com voos mais altos, rumo ao Palácio do Planalto. E é a partir daí que exercita certa “dissidência” em relação ao governo Dilma e ao chamado “lulo-petismo” (com o qual os conservadores desdenham dos governos trabalhistas do PT). Dissidência essa que logo se transforma em oposição frontal, que leva Eduardo a postular uma candidatura presidencial em aliança com a ex-petista Marina Silva (que não conseguiu oficializar o registro de seu partio – Rede).
Eduardo tem feito acordos e conjecturas heterodoxas e perigosamente contraditórias para a biografia de seu avô. Mas dizer que ele vem de linhagem oligárquica é no mínimo um grave equívoco ou desconhecimento contextual da dinâmica da política pernambucana. Pois embora fazendo alianças pontuais com poucas dissidências de oligarquias interioranas, Arraes jamais foi um oligarca, ao contrário, ajudou e muito para enfraquecer o poder das oligarquias mais reacionárias e à direita, que sempre fizeram política clientelista para se firmar no governo. Mas sem jamais avançar socialmente em nenhum aspecto.
O problema é que ideologicamente Eduardo está a se movimentar como barata tonta. Critica Dilma de um lado, mas está tendo dificuldade de dizer a que veio e que propostas diferentes teria para “fazer mais” do que fez e vem fazendo a líder petista. O que se vê é uma perigosa aproximação dele com proeminentes lideranças da direita mais reacionária (como o catarinense Jorge Bornhausen) e com economistas e pensadores neoliberais contemporâneos, o que faria corar o seu avô (Miguel Arraes).
Na verdade esse camaleonismo de Eduardo está mais confundindo do que propriamente definindo um norte de governo. E em certa medida o afasta de segmentos de esquerda dos quais sempre foi aliado. O caso do escritor Ariano Suassuna (um histórico eleitor do “arraesismo” e apoiador de primeira hora de Eduardo) que já sinalizou apoio à reeleição da presidente Dilma é emblemático neste sentido. O renomado escritor diz que vota “a favor do Brasil” e não contra Eduardo, e que o jovem líder do PSB ainda terá sua chance de chegar  à Presidência.
(Publicado originalmente no site do Luis Nassif)

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