pub-5238575981085443 CONTEXTO POLÍTICO: O caráter higienista do Projeto Novo Recife.
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quarta-feira, 28 de maio de 2014

O caráter higienista do Projeto Novo Recife.



José Luiz Gomes da Silva


Continua pelas redes sociais as polêmicas sobre o projeto Novo Recife. As opiniões se radicalizam, entre argumentos a favor e contra o projeto. No dia de ontem, mais um componente, digamos assim, entrou no debate. Em meio às discussões políticas, jurídicas, o caráter das intervenções urbanas, eis que surgiu na rede uma entrevista com o economista ecológico, Clóvis Cavalcanti, da Fundação Joaquim Nabuco. Não que essa temática, mesmo que anpassant, já não esteja inserida nos debates, mas, invocá-la, neste momento, é interessante porque remete, na sua essência, à degradação do conceito de cidadania engendrado por esse processo. Apenas para quem não tomou conhecimento dos fatos, o economista teria sido processado por uma dessas construtoras integrantes do consórcio Novo Recife, ao postar um artigo no Diário de Pernambuco argumentando sobre um possível "roubo de paisagem" ao serem erguidas aquelas duas famosas torres da Moura Dubeux. A paisagem é um direito coletivo e eles, ao erguerem aquelas torres estavam impedindo que esse direito fosse exercido por toda a população. Lembro agora que o IPHAN embargou a construção de um viaduto aqui em Olinda, tempo atrás, acredito, sob o mesmo argumento. Se fosse mantida a altura original, comprometeria a visão do patrimônio histórico da cidade. A construtora que o processou perdeu em todas as instâncias. Essa questão está na raiz das intervenções urbanas do Recife, ou seja, a profunda "seletividade" de sua matriz.. Se, como dizem, há benefícios dessas intervenções, quem vai poder beneficiar-se deles? Até mesmo um logradouro público - uma praça - que ficava nas proximidades das duas torres, quase foi privativada pela população residente nos apartamentos. Não somos necessariamente contra que haja intervenções naquela área do Cais José Estelita. O conceito de patrimônio histórico/artístico, de fato, em situações específicas, talvez não se aplica à situação. Por outro lado, o caráter e a finalidade dessas intervenções precisam, urgentemente, ser revistos. Se não, vejamos. a) Há uma ingerência demasiada dos interesses do capital na tomada de decisões do poder público sobre o assunto. Um lobby pesado, tráfiico de influência, denúncias de pagamento de propinas, financiamentos de campanhas, aparelhamento dos departamentos jurídicos das prefeituras. Num contexto como esse, as decisões não poderiam deixar de ser enviesadas. Torna-se necessário criar mecanimos de envolvimento mais efetivo do cidadão comum nessas decisões. A Prefeitura do Recife, por acaso, ouviu a população do Recife sobre o que fazer com o Cais José Estelita? b) Se considerarmos as últimas intervenções, talvez se aplique aqui uma tendência higienista, como sugere alguns críticos, reservando alguns espaços públicos apenas para os ditos cidadãos-consumidores, aqueles que podem pagar para adquirir uma apartamento residencial ou um sala comercial naquele trecho, que deve custar os olhos da cara. Fala-se em píer, em parques, em espaços culturais, mas, a rigor, certamente pensados para atender às necessidades desses cidadãos. Em última análise, o que está em curso é um banimento da população de baixa renda desses entornos. Coque, Pina, Ilha de Joaneiro estão sendo, gradativamente, descaracterizadas pelo especulação imobiliária imposta pelo capital. Na década de 40 existia uma grande polêmica sobre o que fazer com as palafitas dos bairros 'afogados" do Recife, um verdadeiro laboratório para os trabalhos de sociólogo Josué de Castro. Enquanto o interventor Agamenon Magalhães defendia que eles precisavam ser removidos, de preferência para lá dos Macacos - uma localidade, salvo engano, nas proximidades da cidade de Camaragibe - , Gilberto Freyre considerava os mocambos uma solução de arquitetura engenhosa e, que, portanto, precisavam ser preservadas. Assim como na década de 40, recrudesce no Recife uma solução de força, da imposição de uma lógica orientada pela seletividade "higienista". A cidade, pensa os gestores atuais, deve ficar mesmo para os cidadãos-consumidores. Isso nos faz lembrar de uma crônica que escrevemos sobre a presença de Orson Welles no Brasil. De passagem por essas terras tropicais, ele conheceu três cidades: Recife, Fortaleza e Rio de Janeiro. Aqui no Recife, depois de tomar um porre daqueles, caiu no Rio Capibaribe e quase se afogava. No Rio, fazia suas tomadas para o filme inacabado Its All True - sobre a saga dos jangadeiros cearenses. Eis que o ditador Getúlio Vargas escreveu para o Departamento de Estado Norte-Americano para queixar-se de Orson Welles. Estava bastante preocupado com a presença de favelas, pobres e negros nas tomadas do cineasta. Deixaram Orson à mingua. Nossos governantes estão deixando a população mais empobrecida do Recife à mingua, sem direito de usufruir de sua cidade. Só falta mesmo os cinturões de contenção nos seus entorno. Logo, logo eles estarão sendo erquidos.

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